terça-feira, 19 de maio de 2020

Entrevista a Saudade Campião

A propósito da retoma da actividade económica na segunda fase de desconfinamento, não podemos deixar de recordar todos quantos têm os seus negócios condicionados pelas medidas necessárias para que os estabelecimentos possam funcionar.
Desta forma, recordamos a entrevista a Saudade Campião, proprietária e chef da Taberna a Pipa, na cidade de Beja, a quem mais uma vez agradecemos a gentileza da colaboração. Esta entrevista foi elaborada no contexto da presença da Hall Paxis no Imobinvest 2019, e foi publicada na revista de apresentação do nosso território.

"Pessoa conhecida na região pela alma e pelo gosto que coloca em cada prato que confecciona, Saudade Campião é o rosto e a mão da cozinha do restaurante típico Taberna A Pipa,  com 21 anos de existência. Falámos sobre sabores, sobre tradição, sobre a arte de simplificar e sobre a região, numa conversa tão agradável, quão saborosos são os pratos da Pipa. Leia e saboreie.

-  O Alentejo é sem dúvida uma região onde a gastronomia tem um papel muito importante.
Ao longo dos tempos tem-se reinventado, mas a sua pedra de toque é a simplicidade da confecção, baseada nos produtos da região.
A Saudade quer falar-nos nestas características únicas da cozinha alentejana, que lhe conferem um sabor inigualável?

Em relação a esse aspecto, no Alentejo temos produtos de qualidade, desde a carne às ervas aromáticas, e portanto temos que aproveitar o que temos de bom. A minha cozinha é muito simples, para que seja possível tirar proveito do sabor dos produtos que utilizo. Praticamente não utilizo especiarias, substituindo-as pelas nossas ervas aromáticas. A gordura que utilizo é apenas o azeite, também ele o mais puro e natural possível, por forma a realçar o sabor da carne ou do peixe, não o camuflando.

 – Simplificar com qualidade. Sabemos que a Saudade é mestre na simplificação dos pratos, mas que não descura a tradição e vai repescar formas antigas de confecção dos alimentos. Quer falar-nos sobre essa busca e sobre a sua importância na oferta que faz aos seus clientes?

Lembro-me que desde miúda via a minha mãe, a minha avó e as minhas vizinhas cozinhar. Tomava atenção aos ingredientes que utilizavam e à forma como confeccionavam os pratos, percebendo a diferenças entre umas e outras. Hoje ainda me vêm à memória essas lembranças que são responsáveis pela forma como aplico essa forma antiga de cozinhar no meu restaurante.

 – O seu restaurante é frequentado por pessoas de Beja, mas tem um grande número de visitantes de fora, quer estrangeiros, quer nacionais. O que procuram essencialmente esses visitantes com quem nos cruzamos frequentemente na Taberna A Pipa?

Os visitantes procuram em primeiro lugar uma casa típica alentejana, o centro histórico da cidade e obviamente a nossa gastronomia. Querem provar as sopas, as migas, os ensopados e querem também saber histórias, porque de facto os pratos estão a ligados a histórias. O uso do pão e das ervas aromáticas deve-se à história da região, que foi sempre uma região pobre e desfavorecida, existindo a necessidade de aproveitar os produtos locais na alimentação.

 – Considera que a gastronomia e tudo o que gira em seu torno poderá ser um factor determinante no impulso turístico na região? Que medidas considera serem importantes para que o fluxo turístico aumente na região de Beja?

Sempre considerei que a gastronomia é um factor de atracção de pessoas para a cidade e para a região. Tive o privilégio de ter como visitantes da Pipa alguns grupos de turistas estrangeiros que vieram à nossa região impulsionados pelo Alqueva, e muito pelas ervas aromáticas. Vieram de avião privado que aterrou no aeroporto de Beja, e fizeram o circuito por Alqueva e zona envolvente. Quiseram conhecer a nossa gastronomia e o “mistério” da simplicidade e das ervas aromáticas. Estes grupos foram organizados por um operador turístico.
Penso que é importante que exista essa divulgação e articulação por parte dos operadores, nos sítios certos,  pois a gastronomia é por certo um elo de ligação em roteiros, e é possível potenciá-los nesta vertente. Contudo, para que isso aconteça, é determinante existir qualidade na oferta. Manter as receitas tradicionais e simples, do tempo das nossas avós,  mas com muita qualidade.

 – Falando de residentes, considera que a oferta global em Beja em termos de restauração é satisfatória, ou poderá ainda existir um caminho a percorrer? Quer falar-nos um pouco sobre esse tema?

Em minha opinião, no geral, a oferta é satisfatória, embora sejam necessárias algumas alterações. Refiro-me ao profissionalismo e ao brio, ou seja, não é a quantidade que importa, se a casa está sempre cheia ou não, é sim a qualidade da confecção, o atendimento e o acrescentar algo a quem nos procura e nos visita.

 – Observamos frequentemente, e muito através das redes sociais, que a sua casa é frequentada por imensas pessoas ligadas à cultura. Desde artistas, actores, escritores, pintores, arqueólogos, historiadores, etc é rara a pessoa esse segmento que visita Beja e não vem apreciar uma refeição na Pipa. Qual é o feed-back que tem dessas pessoas que frequentam o seu espaço? Qual o sentimento que partilham consigo?

O feed-back que tenho é bastante positivo. Normalmente antes de irem embora, as pessoas vêm falar comigo, até porque a cozinha é aberta, e trocamos umas palavras. Gostam da arquitectura da casa, dos nossos pratos e sabores, dizem que se nota que os produtos são diferentes (por exemplo o tomate, pois o que utilizo é directo do pequeno produtor e cultivado de forma tradicional), e gostam do atendimento, pois são cativados pela proximidade e disponibilidade que mantemos para com eles.

 – No ano passado, no decorrer do programa 7 Maravilhas à Mesa, a Saudade foi a responsável pela mesa de Beja. Qual foi a importância para si, para o seu restaurante e até para a cidade de Beja, a participação num evento desta envergadura e que foi extremamente mediatizado?

Para mim e para o nosso restaurante foi muito bom participar num evento deste tipo. Costumo dizer que são as minhas medalhas. Estar nesta actividade não é fácil, e fazer como fazemos também não. Confesso que esta não era a minha área, mas vim “arrastada” pelo meu marido, e com muita resiliência temos conseguido manter e melhorar sempre o nosso espaço e o nosso serviço.
Para a cidade também foi importante, pois existiu uma grande mobilização e pessoas de fora, que nos apoiaram. Quando aceitei participar, não foi tanto pelo meu restaurante, mas sim por Beja e pela região. Sempre pensei que é importante cada um de nós fazer mais alguma coisa pela cidade.

– A Saudade é uma pessoa que gosta de arte e de certa forma ligada às artes, pois sabemos que pinta. Falando dessa sua alma artística, podemos dizer que nos seus pratos existe um bocadinho dessa alma?

Sem dúvida que sim. A única pessoa a compor os pratos sou eu. Em cada prato coloco o que melhor tenho de mim tanto na confecção, como na apresentação."


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