Desta forma, recordamos a entrevista a Saudade Campião, proprietária e chef da Taberna a Pipa, na cidade de Beja, a quem mais uma vez agradecemos a gentileza da colaboração. Esta entrevista foi elaborada no contexto da presença da Hall Paxis no Imobinvest 2019, e foi publicada na revista de apresentação do nosso território.
"Pessoa conhecida na região pela alma e pelo gosto que coloca em cada prato que confecciona, Saudade Campião é o rosto e a mão da cozinha do restaurante típico Taberna A Pipa, com 21 anos de existência. Falámos sobre sabores, sobre tradição, sobre a arte de simplificar e sobre a região, numa conversa tão agradável, quão saborosos são os pratos da Pipa. Leia e saboreie.
- O Alentejo é sem dúvida uma região onde a gastronomia
tem um papel muito importante.
Ao longo dos tempos tem-se reinventado, mas a sua pedra de
toque é a simplicidade da confecção, baseada nos produtos da região.
A Saudade quer falar-nos nestas características únicas da
cozinha alentejana, que lhe conferem um sabor inigualável?
Em relação a esse aspecto, no Alentejo temos produtos de qualidade,
desde a carne às ervas aromáticas, e portanto temos que aproveitar o que temos
de bom. A minha cozinha é muito simples, para que seja possível tirar proveito
do sabor dos produtos que utilizo. Praticamente não utilizo especiarias,
substituindo-as pelas nossas ervas aromáticas. A gordura que utilizo é apenas o
azeite, também ele o mais puro e natural possível, por forma a realçar o sabor
da carne ou do peixe, não o camuflando.
– Simplificar com qualidade. Sabemos que a Saudade é
mestre na simplificação dos pratos, mas que não descura a tradição e vai
repescar formas antigas de confecção dos alimentos. Quer falar-nos sobre essa
busca e sobre a sua importância na oferta que faz aos seus clientes?
Lembro-me que desde miúda via a minha mãe, a minha avó e as
minhas vizinhas cozinhar. Tomava atenção aos ingredientes que utilizavam e à
forma como confeccionavam os pratos, percebendo a diferenças entre umas e
outras. Hoje ainda me vêm à memória essas lembranças que são responsáveis pela
forma como aplico essa forma antiga de cozinhar no meu restaurante.
– O seu restaurante é frequentado por pessoas de Beja, mas
tem um grande número de visitantes de fora, quer estrangeiros, quer nacionais.
O que procuram essencialmente esses visitantes com quem nos cruzamos
frequentemente na Taberna A Pipa?
Os visitantes procuram em primeiro lugar uma casa típica
alentejana, o centro histórico da cidade e obviamente a nossa gastronomia.
Querem provar as sopas, as migas, os ensopados e querem também saber histórias,
porque de facto os pratos estão a ligados a histórias. O uso do pão e das ervas
aromáticas deve-se à história da região, que foi sempre uma região pobre e
desfavorecida, existindo a necessidade de aproveitar os produtos locais na
alimentação.
– Considera que a gastronomia e tudo o que gira em seu
torno poderá ser um factor determinante no impulso turístico na região? Que
medidas considera serem importantes para que o fluxo turístico aumente na
região de Beja?
Sempre considerei que a gastronomia é um factor de atracção
de pessoas para a cidade e para a região. Tive o privilégio de ter como
visitantes da Pipa alguns grupos de turistas estrangeiros que vieram à nossa
região impulsionados pelo Alqueva, e muito pelas ervas aromáticas. Vieram de
avião privado que aterrou no aeroporto de Beja, e fizeram o circuito por
Alqueva e zona envolvente. Quiseram conhecer a nossa gastronomia e o “mistério”
da simplicidade e das ervas aromáticas. Estes grupos foram organizados por um
operador turístico.
Penso que é importante que exista essa divulgação e
articulação por parte dos operadores, nos sítios certos, pois a gastronomia é por certo um elo de
ligação em roteiros, e é possível potenciá-los nesta vertente. Contudo, para
que isso aconteça, é determinante existir qualidade na oferta. Manter as
receitas tradicionais e simples, do tempo das nossas avós, mas com muita qualidade.
– Falando de residentes, considera que a oferta global em
Beja em termos de restauração é satisfatória, ou poderá ainda existir um
caminho a percorrer? Quer falar-nos um pouco sobre esse tema?
Em minha opinião, no geral, a oferta é satisfatória, embora
sejam necessárias algumas alterações. Refiro-me ao profissionalismo e ao brio,
ou seja, não é a quantidade que importa, se a casa está sempre cheia ou não, é
sim a qualidade da confecção, o atendimento e o acrescentar algo a quem nos
procura e nos visita.
– Observamos frequentemente, e muito através das redes
sociais, que a sua casa é frequentada por imensas pessoas ligadas à cultura.
Desde artistas, actores, escritores, pintores, arqueólogos, historiadores, etc
é rara a pessoa esse segmento que visita Beja e não vem apreciar uma refeição
na Pipa. Qual é o feed-back que tem dessas pessoas que frequentam o seu espaço?
Qual o sentimento que partilham consigo?
O feed-back que tenho é bastante positivo. Normalmente antes
de irem embora, as pessoas vêm falar comigo, até porque a cozinha é aberta, e
trocamos umas palavras. Gostam da arquitectura da casa, dos nossos pratos e
sabores, dizem que se nota que os produtos são diferentes (por exemplo o
tomate, pois o que utilizo é directo do pequeno produtor e cultivado de forma
tradicional), e gostam do atendimento, pois são cativados pela proximidade e
disponibilidade que mantemos para com eles.
– No ano passado, no decorrer do programa 7 Maravilhas à
Mesa, a Saudade foi a responsável pela mesa de Beja. Qual foi a importância
para si, para o seu restaurante e até para a cidade de Beja, a participação num
evento desta envergadura e que foi extremamente mediatizado?
Para mim e para o nosso restaurante foi muito bom participar
num evento deste tipo. Costumo dizer que são as minhas medalhas. Estar nesta
actividade não é fácil, e fazer como fazemos também não. Confesso que esta não
era a minha área, mas vim “arrastada” pelo meu marido, e com muita resiliência
temos conseguido manter e melhorar sempre o nosso espaço e o nosso serviço.
Para a cidade também foi importante, pois existiu uma grande
mobilização e pessoas de fora, que nos apoiaram. Quando aceitei participar, não
foi tanto pelo meu restaurante, mas sim por Beja e pela região. Sempre pensei
que é importante cada um de nós fazer mais alguma coisa pela cidade.
– A Saudade é uma pessoa que gosta de arte e de certa
forma ligada às artes, pois sabemos que pinta. Falando dessa sua alma
artística, podemos dizer que nos seus pratos existe um bocadinho dessa alma?
Sem dúvida que sim. A única pessoa a compor os pratos sou
eu. Em cada prato coloco o que melhor tenho de mim tanto na confecção, como na
apresentação."