Falar de Filipe Campêlo é falar de alguém
multifacetado, com pensamento desenvolvido e visão estratégica.
Quer contar-nos um pouco
acerca da sua vinda para Beja? Como aconteceu esse “chamamento" a alguém
com raízes no Norte e com muitos anos vividos em Lisboa?
Tudo começa com uma notícia num
jornal de tiragem nacional que nomeou a Biblioteca de Beja como a melhor
biblioteca municipal do país. Ficou a curiosidade de conhecer o local.
Algum tempo depois, por necessidade
de emissão de um passaporte que demorava mês e meio a emitir em Lisboa, mas
apenas quatro horas em Beja, os fatores positivos foram-se somando.
O nascimento do 2º filho, que tornou
o apartamento de Lisboa “curto”, fez a ideia sair de Lisboa parecer natural
assim como a opção mais óbvia ser Beja: as pessoas eram simpáticas, as coisas
funcionavam.
Vinte anos corridos não há planos
para sair daqui.
Olhando ao seu percurso,
encontramos o Filipe em várias vertentes, tais como piloto da TAP, fundador e
principal responsável pelo Grupo de Escoteiros de Beja durante muitos anos,
desportista de trails, e mais recentemente na área da construção e imobiliário,
através da empresa Alvenaria 4, recentemente criada.
Pode dizer-se que esta
diversidade de atividades provém de uma certa inquietação, ou pelo contrário,
são uma espécie de complemento interior em momentos diferentes da sua vida?
Ser Piloto, primeiro militar e
depois civil, foi a concretização de um sonho de infância. Foi aí que me
conduziu a vida por ter as capacidades físicas e mentais para tal, por ter o
apoio incondicional da família, nomeadamente do Pai e da Mãe para aquela
aventura maluca dos aviões que deixava a mãe com os nervos em franja a semana
que eu passava na base aérea, por ter encontrado profissionais extraordinários
cuja dedicação e profissionalismo permitiu que eu conquistasse as minhas
lacunas e rentabilizasse as minhas potencialidades intrínsecas.
Também os Escoteiros surgem de forma
natural. Fui Escuteiro em miúdo e daí trouxe amizades que perduram até hoje
apesar da distância geográfica. Quis garantir que os meus filhos, na
adolescência, se identificassem com uma “tribo” sã. E algo que eu pudesse
partilhar com eles e com o qual me identificasse. Ser Escoteiro fazia sentido.
Não havia Escoteiros em Beja e, como
não sou de me sentar e dizer mal porque os outros não fizeram, pus mãos à obra e,
com um grupo pessoas dinâmicas e dedicadas, fundámos o Grupo 234 Beja. Passados
14 anos “passei a pasta” e a nova Direção tem feito um trabalho extraordinário.
Também a Alvenaria 4 advém da
adaptação aos tempos. Não havia planos para deixar a aviação. Pelo menos meus
já que a vida tinha outros planos. Com a pandemia e todos os acontecimentos
seguintes, feito um balanço pessoal, foi tomada a decisão de sair da TAP. A construção civil estava já no meu passado
para-profissional com algumas iniciativas no campo da remodelação imobiliária,
aluguer, compra e venda. Foi assim apenas natural aprofundar um conceito
pré-existente.
Por isso, respondendo à pergunta,
todo este meu percurso profissional advém definitivamente de alguma
inquietação, porque me aborrece estar parado, mas também o tal complemento
interior em momentos diferentes da vida
Sermos adaptativos e estarmos
despertos para o que nos oferece a vida é absolutamente essencial.
Relativamente ao escotismo,
existem opiniões de que todas as crianças deveriam passar por um grupo de
escoteiros em determinada altura das suas vidas. Concorda?
Têm os jovens perceções de
vida diferentes e valorizam mais certos aspetos humanistas e práticos, quando
de alguma forma a sua formação foi complementada pela frequência de um grupo de
escoteiros?
Sou muito adepto da cidadania
interventiva. Todos devemos deixar o mundo um pouco melhor do que o
encontrámos, como postulava Baden-Powell, todos devemos melhorar a nossa rua, o
nosso bairro, a nossa cidade sem esperar e reclamar pelos “outros que não
fizeram”. A melhor maneira é partilhar essa noção com os mais novos, dar o
exemplo. Que eles sejam o exemplo a seguir mais tarde num ciclo virtuoso de
serviço ao próximo.
A paixão pela construção vem
de há muito tempo. Conseguiu agora colocar em prática aquele bichinho que o
acompanhou ao longo da vida, com a criação da Alvenaria 4, cujo objetivo é a
reconstrução e remodelação de habitações. Olhando para a cidade de Beja e para
as zonas de maior debilidade habitacional, qual é, na sua ótica, o caminho a
seguir para que essas zonas possam ter nova vida e novos habitantes?
Reabilitar um centro urbano
histórico é sempre um processo complicado e dinâmico que, provavelmente, não
terá uma solução definitiva e estática mas sim um conjunto de várias medidas
que devem ser ensaiadas, implementadas, avaliadas e ajustadas repetindo todo o
processo em modo contínuo. Uma legislação rígida e estática, venha de onde
vier, nunca será uma solução de prazo alargado.
Ouvir os agentes do mercado -
imobiliárias, construtores, proprietários, residentes individuais e coletivos –
não uma vez para elaborar uma determinada legislação mas sim em contacto
permanente com estes, será absolutamente essencial. E, maioritariamente, não
serão necessários grandes planos complexos devendo ser dada prioridade às
pequenas simplificações e melhoramentos do dia a dia.
Para reconstruir uma casa não
basta arranjar cimento e tijolos. É necessário ter em linha de conta bastantes aspetos
técnicos e administrativos. Na sua opinião, o que dificulta mais a decisão de
um potencial proprietário ou futuro proprietário, no decurso desse processo?
Para o futuro proprietário a maior
dificuldade prende-se sem dúvida com a incerteza do custo final da obra. Quem
contratar? Que segurança dá esse agente do cumprimento do contratado? E que
garantia pós-venda efetivamente será prestada?
Não há uma divulgação continuada e pró-ativa
junto do comprador leigo acerca dos agentes registados junto do IMPIC, e
outros, nem das seguranças e garantias associadas. O corolário dessa ignorância
funcional pode ocasionar graves prejuízos futuros. Cientes dessa incerteza, muitos
investidores acabam por não concretizar o projeto a que se propuseram.
A eficiência energética e a
sustentabilidade estão definitivamente na ordem no dia na área da construção
civil. Que conselhos úteis e pertinentes
neste âmbito, dá aos seus clientes no
antes e no durante obra?
Antes e durante a recomendação é
sempre a mesma: recorrer aos serviços profissionais.
Na fase de projeto há que recorrer
aos serviços de arquitetura e engenharia já que são estes que estão a par das
últimas novidades numa indústria em rápida transformação. São estes que poderão
propor um leque de opções atualizadas e adequadas ao caso concreto daquele
cliente concreto.
Também na fase de construção deverão
ser chamados os profissionais de cada área para execução do projeto. Recorrer
ao curioso desenrascado poderá trazer sérios dissabores futuros.
Viemos do Norte, passámos por
Lisboa, viajámos pelos céus do mundo consigo a comandar no cockpit, fizemos
acampamentos em várias latitudes e agora estamos em Beja, no seu terraço com
uma vista imensa. Para si, o horizonte do Alentejo é infinito?
O horizonte não está dependente da
geografia. Está onde o (im)pusermos em nós.