segunda-feira, 8 de maio de 2023

Alentejo ...porque o horizonte é infinito .... Entrevista Filipe Campêlo

 

Falar de Filipe Campêlo é falar de alguém multifacetado, com pensamento desenvolvido e visão estratégica.

Quer contar-nos um pouco acerca da sua vinda para Beja? Como aconteceu esse “chamamento" a alguém com raízes no Norte e com muitos anos vividos em Lisboa?

Tudo começa com uma notícia num jornal de tiragem nacional que nomeou a Biblioteca de Beja como a melhor biblioteca municipal do país. Ficou a curiosidade de conhecer o local.

Algum tempo depois, por necessidade de emissão de um passaporte que demorava mês e meio a emitir em Lisboa, mas apenas quatro horas em Beja, os fatores positivos foram-se somando.

O nascimento do 2º filho, que tornou o apartamento de Lisboa “curto”, fez a ideia sair de Lisboa parecer natural assim como a opção mais óbvia ser Beja: as pessoas eram simpáticas, as coisas funcionavam.

Vinte anos corridos não há planos para sair daqui.

 

Olhando ao seu percurso, encontramos o Filipe em várias vertentes, tais como piloto da TAP, fundador e principal responsável pelo Grupo de Escoteiros de Beja durante muitos anos, desportista de trails, e mais recentemente na área da construção e imobiliário, através da empresa Alvenaria 4, recentemente criada.

Pode dizer-se que esta diversidade de atividades provém de uma certa inquietação, ou pelo contrário, são uma espécie de complemento interior em momentos diferentes da sua vida?

Ser Piloto, primeiro militar e depois civil, foi a concretização de um sonho de infância. Foi aí que me conduziu a vida por ter as capacidades físicas e mentais para tal, por ter o apoio incondicional da família, nomeadamente do Pai e da Mãe para aquela aventura maluca dos aviões que deixava a mãe com os nervos em franja a semana que eu passava na base aérea, por ter encontrado profissionais extraordinários cuja dedicação e profissionalismo permitiu que eu conquistasse as minhas lacunas e rentabilizasse as minhas potencialidades intrínsecas.

Também os Escoteiros surgem de forma natural. Fui Escuteiro em miúdo e daí trouxe amizades que perduram até hoje apesar da distância geográfica. Quis garantir que os meus filhos, na adolescência, se identificassem com uma “tribo” sã. E algo que eu pudesse partilhar com eles e com o qual me identificasse. Ser Escoteiro fazia sentido.

Não havia Escoteiros em Beja e, como não sou de me sentar e dizer mal porque os outros não fizeram, pus mãos à obra e, com um grupo pessoas dinâmicas e dedicadas, fundámos o Grupo 234 Beja. Passados 14 anos “passei a pasta” e a nova Direção tem feito um trabalho extraordinário.

Também a Alvenaria 4 advém da adaptação aos tempos. Não havia planos para deixar a aviação. Pelo menos meus já que a vida tinha outros planos. Com a pandemia e todos os acontecimentos seguintes, feito um balanço pessoal, foi tomada a decisão de sair da TAP.  A construção civil estava já no meu passado para-profissional com algumas iniciativas no campo da remodelação imobiliária, aluguer, compra e venda. Foi assim apenas natural aprofundar um conceito pré-existente.

Por isso, respondendo à pergunta, todo este meu percurso profissional advém definitivamente de alguma inquietação, porque me aborrece estar parado, mas também o tal complemento interior em momentos diferentes da vida

Sermos adaptativos e estarmos despertos para o que nos oferece a vida é absolutamente essencial.

 

Relativamente ao escotismo, existem opiniões de que todas as crianças deveriam passar por um grupo de escoteiros em determinada altura das suas vidas. Concorda?

Têm os jovens perceções de vida diferentes e valorizam mais certos aspetos humanistas e práticos, quando de alguma forma a sua formação foi complementada pela frequência de um grupo de escoteiros?

Sou muito adepto da cidadania interventiva. Todos devemos deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrámos, como postulava Baden-Powell, todos devemos melhorar a nossa rua, o nosso bairro, a nossa cidade sem esperar e reclamar pelos “outros que não fizeram”. A melhor maneira é partilhar essa noção com os mais novos, dar o exemplo. Que eles sejam o exemplo a seguir mais tarde num ciclo virtuoso de serviço ao próximo.

 

A paixão pela construção vem de há muito tempo. Conseguiu agora colocar em prática aquele bichinho que o acompanhou ao longo da vida, com a criação da Alvenaria 4, cujo objetivo é a reconstrução e remodelação de habitações. Olhando para a cidade de Beja e para as zonas de maior debilidade habitacional, qual é, na sua ótica, o caminho a seguir para que essas zonas possam ter nova vida e novos habitantes?

Reabilitar um centro urbano histórico é sempre um processo complicado e dinâmico que, provavelmente, não terá uma solução definitiva e estática mas sim um conjunto de várias medidas que devem ser ensaiadas, implementadas, avaliadas e ajustadas repetindo todo o processo em modo contínuo. Uma legislação rígida e estática, venha de onde vier, nunca será uma solução de prazo alargado.

Ouvir os agentes do mercado - imobiliárias, construtores, proprietários, residentes individuais e coletivos – não uma vez para elaborar uma determinada legislação mas sim em contacto permanente com estes, será absolutamente essencial. E, maioritariamente, não serão necessários grandes planos complexos devendo ser dada prioridade às pequenas simplificações e melhoramentos do dia a dia.

 

Para reconstruir uma casa não basta arranjar cimento e tijolos. É necessário ter em linha de conta bastantes aspetos técnicos e administrativos. Na sua opinião, o que dificulta mais a decisão de um potencial proprietário ou futuro proprietário, no decurso desse processo?

Para o futuro proprietário a maior dificuldade prende-se sem dúvida com a incerteza do custo final da obra. Quem contratar? Que segurança dá esse agente do cumprimento do contratado? E que garantia pós-venda efetivamente será prestada?

Não há uma divulgação continuada e pró-ativa junto do comprador leigo acerca dos agentes registados junto do IMPIC, e outros, nem das seguranças e garantias associadas. O corolário dessa ignorância funcional pode ocasionar graves prejuízos futuros. Cientes dessa incerteza, muitos investidores acabam por não concretizar o projeto a que se propuseram.

 

 A eficiência energética e a sustentabilidade estão definitivamente na ordem no dia na área da construção civil. Que conselhos  úteis e pertinentes neste âmbito,  dá aos seus clientes no antes e no durante obra?

Antes e durante a recomendação é sempre a mesma: recorrer aos serviços profissionais.

Na fase de projeto há que recorrer aos serviços de arquitetura e engenharia já que são estes que estão a par das últimas novidades numa indústria em rápida transformação. São estes que poderão propor um leque de opções atualizadas e adequadas ao caso concreto daquele cliente concreto.

Também na fase de construção deverão ser chamados os profissionais de cada área para execução do projeto. Recorrer ao curioso desenrascado poderá trazer sérios dissabores futuros.

 

Viemos do Norte, passámos por Lisboa, viajámos pelos céus do mundo consigo a comandar no cockpit, fizemos acampamentos em várias latitudes e agora estamos em Beja, no seu terraço com uma vista imensa. Para si, o horizonte do Alentejo é infinito?

O horizonte não está dependente da geografia. Está onde o (im)pusermos em nós.



 

terça-feira, 2 de maio de 2023

Alentejo ... porque o horizonte é infinito ... Entrevista Paulo Ribeiro

 

Falarmos de Paulo Ribeiro, é falarmos de alguém umbilicalmente ligado à música e à elementaridade do Cante Alentejano.

Ao longo da sua carreira foram vários os projectos que integrou, Anonimato, Eroscópio, Baile Popular, Tais Quais, mantendo sempre o Cante como pano de fundo, sustentando e alimentando as raízes. Neste âmbito, conhecemo-lo, também, enquanto ensaiador de grupos de Cantadores distintos – em idade, género, génese e geografia - onde a inovação, a reinvenção e o respeito pela origem são denominadores comuns. Características também elas presentes no Álbum É Assim Uma Espécie de Cante, onde, em conjunto com o Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias, se desafiou a interpretar temas de músicos icónicos como Rui Veloso e Pedro Abrunhosa.

 

Pode dizer-se que há no Paulo inquietação e uma certa não acomodação que o despertam para a criação e desenvolvimento de projectos fiéis mas diferentes dos genuinamente tradicionais?

Essa inquietação existe e funciona de certo modo como um motor que alimenta a criatividade. Os vários projectos vão surgindo naturalmente. De qualquer forma eu procuro que todos eles façam sentido, isto é, que tenham uma mensagem.. Acho que quando não tiver mais nada a acrescentar, se calhar deixo de fazer música. A tradição interessa-me, até porque quando transmito por exemplo o Cante às crianças, procuro ser um o mais fiél possivel às modas tradicionais. Mas em algum momento também não deixo de lhes dizer que um dia se estiverem a estudar clarinete ou outro instrumento qualquer, poderão sempre reentrepetar uma qualquer melodia do nosso vasto cancioneiro com o recurso à criatividade e liberdade de cada um. Nesse sentido a tradição também me interessa como um legado que podemos de alguma forma reeventar, é por isso que também vou compondo algumas modas. Julgo que é importante reeactualizar o cante, sem perder de vista as suas raizes, o seu chão.

Depois gosto de trabalhar com as pessoas, gosto da ideia do "colectivo". Um bom exemplo são os Tais Quais, onde personalidades e diferentes gerações convergem e funcionam para um resultado que tem lá um bocadinho de cada um de nós. Isso só é possível porque há um sentido colectivo e uma cumplicidade que se foi construindo. É por isso que por vezes usamos a expressão "Familia Tais Quais". Com "Os Camponeses de Pias" é a mesma coisa. São uma família que me acolheu e que vai integrando ao longo da sua maravihosa história gente que admiramos e que fica para sempre a fazer parte dessa família.

 

 Tem a música o poder e a missão de nos accionar enquanto agentes sociais?

Penso que sim, depende no entanto da forma como nos posicionamos. Há exemplos com é o caso de José Afonso em que a sua vida se confunde, no bom sentido, com a sua obra.. A Ideia de uma sociedade mais justa e fraterna pela qual lutou, é bem visível na sua poesia e na música que compunha. A música pode ter esse poder transformador e mesmo quando tem um carácter mais lúdico acaba sempre por ter uma função. Sim em certa medida os músicos e os artistas, não são apenas agentes culturais, são também actores que podem intervir em processos sociais.

 

Jorge Palma, Vitorino, Tim, João Gil e mais recentemente Pedro Abrunhosa têm sido, ao longo da sua vida, companheiros de estrada.
Quer falar-nos um pouco da importância que estas parcerias têm para si enquanto músico radicado em Beja?

São ligações a artistas e pessoas que sempre admirei desde miúdo e é uma honra pode desenvolver projectos musicais com todos eles. Tem sido uma grande aprendizagem em termos musicais e artisticos mas existe também aqui uma dimensão humana que se traduz num respeito mútuo e numa amizade que vamos construindo. Sim, na minha adolescência jamais imginaria que um dia estaria a pisar os palcos ao lado destas grandes figuras da música portuguesa.

 

Vivemos numa região com raízes culturais profundas, em vários quadrantes, e que tem oferecido ao mundo, ao longo dos anos, artistas de renome e relevo.
Sendo berço, o que é que nos falta?

Falta-nos estratégia, falta-nos visão para implementar as necessárias medidas para valorizarmos o nosso património histórico e cultural. Penso também que é um problema do nosso país. Basta ver que durante alguns anos nem um Ministério da Cultura tinhamos e o Orçamento Geral do Estado nos dias de hoje ainda não contempla sequer 1% para a cultura. Está tudo por fazer...no entanto não falta gente com talento no nosso Alentejo nas mais diversas áreas artísticas. Seria exaustivo nomear todos eles porque correria o risco de me esquecer de algum.


Como interpreta, actualmente, o panorama cultural e qual a sua visão de futuro?

Bem eu gostava que houvesse aqui na nossa região Teatros que trabalhassem em rede. Que houvesse da parte dos Municípios uma maior disponibilidade para em conjunto fazerem mais e melhor pela nossa Cultura.

Que os espectáculos e os artistas pudessem circular pelas diversas salas e  espaços disponíveis. Há não muito tempo houve uma experiência interessante: o Festival BA que apresentou mais de cem espectáculos só ao nivel dos municípios que integram a CIMBAL. Esse Festival podia expandir-se para o alto Alentejo através de parcerias com outros Municípios. Infelizmente nada disso aconteceu. Teve apenas uma edição e perdeu-se mais uma oportunidade...Enfim, continuo ainda assim a ter esperança, mas também é preciso que as comunidades e os cidadãos se empenhem de outra forma, que não se resignem quanto ao futuro da nossa região.

 

Tendo por base a alma e forma de estar alentejanas, mas também as características do nosso território, vasto, ilimitado e de céu aberto, que comentários lhe sugere o tema da presente revista – “Alentejo …Porque o Horizonte é Infinito”?

Esse título é muito poético e logo à partida suscita curiosidade. Curiosidade em conhecer mais a fundo e sem pressas o nosso Alentejo. Conhecer o território que é diverso e sobretudo conhecer as pessoas que o habitam que são a alma do Alentejo.

Parabéns pelo tema que escolheram. À volta deste tema também as conversas e as descobertas poderiam ser infinitas como o Horizonte a perder de vista nas nossas vastas planícies...



 

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Alentejo ...porque o horizonte é infinito ... Entrevista Kaihan Hamidi

 

Kaihan Hamidi, nascido em 1982, é um refugiado Afegão  a viver em Portugal com a família há cerca de dois anos.

Depois de uma passagem pela zona de Lisboa, Kaihan vive agora em Beja, onde ele e a esposa trabalham, e onde os filhos frequentam a escola.

A sua alma chama pela pintura e a maior parte dos seus tempos livres são ocupados entre lápis, pincéis, aguarelas e telas.

Não é fácil para um cidadão Afegão ir para outro país com a família, e aí encontrar uma forma de viver e de estar diferentes, uma cultura diferente e uma sociedade também ela diferente.

Quais foram os seus primeiros pensamentos e emoções?


Nós somos diferentes, cada um dos membros da família é diferente, reage e sente de forma diferente. A mudança para Portugal tem sido mais difícil para a minha esposa do que para mim, porque temos formas de estar e olhar o mundo diferentes. Para mim, Portugal, não é muito diferente daquilo que imaginei. É acolhedor, as pessoas são como as nossas pessoas, no Afeganistão e, por isso, tem sido fácil a minha adaptação. Para os meus filhos foi mais difícil inicialmente, contudo, e em especial para o meu filho mais velho, está a ser muito fácil agora, até mesmo com a língua. Está integrado na escola, tem amigos e pratica judo. Para a mais nova, embora o português já não seja uma barreira acentuada, existe ainda alguma dificuldade de integração.  

Eu venho de uma realidade difícil, que se alterou abruptamente com o a tomada de Cabul pelos Talibã. A liberdade condicionada, a cultura restrita, a forma de estar desconfiada e tímida. Portugal é o oposto disso. Aqui é tudo mais fácil.

 

Certamente não foi fácil para si encontrar uma nova casa, um novo trabalho, novos amigos, nova vida. A linguagem também é uma barreira. Neste momento podemos dizer que o Kaihan está mais ou menos integrado em Beja, tal como a sua família. Quer falar-nos um pouco desta sua experiência?

A língua é muito difícil para mim, bem mais do que para os meus filhos. Não consigo aprender, talvez porque também não tenha aulas e tente aprender sozinho. Contudo, torna-se fácil a comunicação em inglês, pois é raro não nos conseguirmos fazer entender. No meu trabalho, por exemplo, todos falam inglês, até porque são várias as nacionalidades a trabalhar ali. Não é bom para mim, no sentido em que não consigo aprender o português no trabalho, o que poderia ser uma oportunidade. Mas a língua deixa de ser uma barreira a partir do momento que o inglês é global.

 

A sua grande paixão é a pintura. É autor de quadros de grande qualidade que divulga nas redes sociais. Certamente que a pintura é sua aliada no encontro de um novo caminho. As suas pinturas sobre o castelo de Beja ou outros monumentos, são tão precisas, que têm o poder de nos impressionar profundamente.

Quando começa um trabalho, sabe exactamente em que direcção vai, ou a inspiração acontece no momento? Pode falar-nos um pouco sobre o processo criativo e a sua colocação em prática?


Sobre a aguarela, quando inicio um trabalho, sei exatamente aquilo que vou e quero pintar. É tudo muito claro para mim, o que eu imagino, traduzo para a aguarela.

Tal como um fotógrafo, um pintor precisa de ir aos sítios , aos locais, ver com os próprios olhos e capturar interiormente o que vê e sente. Em Portugal, pela proximidade e liberdade que existe, tenho a oportunidade de visitar locais diferentes e de poder pintá-los. Quando isso acontece, é sempre claro, para mim, aquilo que quero representar.

Por exemplo, relativamente ao Castelo de Beja, eu trabalho muito sobre ele. Encantei-me nele desde logo. Por ser um local histórico, faço o exercício de imaginar o que poderia ter sido a vida em torno daquele monumento noutra era. Crio a história na minha mente e passo-a para a tela.
Sobre o Museu, que é um lugar muito especial, o primeiro pensamento que me ocorre é sempre sobre Mariana Alcoforado, a janela de Mariana. Sei a história, é importante saber a história dos monumentos. Os lugares conversam connosco, todos os lugares têm alguma coisa para nos dizer e ensinar.

Mas voltando à aguarela, é a técnica que considero melhor representar e preservar os locais históricos, a que faz mais sentido no presente, porque nos transporta a nós e a esses locais  para um lugar comum. Exemplo disso são os camelos que frequentemente utilizo como elemento de ligação entre o passado e o presente nas representações do Afeganistão. Sobre Beja é idêntico, é a Beja Antiga que habita o meu imaginário artístico.

 

Existem muitas pessoas em Beja e noutros locais que já conhecem o seu trabalho. Já fez alguma exposição desde que chegou ou tenciona fazer?

Quando eu cheguei a Portugal, no primeiro mês, eu pensei que seria fácil conseguir uma exposição minha. Especialmente em Lisboa. Depois comecei a perceber a enorme dificuldade que existe em torno disso. Era claro para mim que iria conseguir uma exposição rapidamente, mas, até hoje, ainda não aconteceu.
Estou consciente da qualidade do meu trabalho e dado o meu percurso no Afeganistão, onde era um artista conceituado e professor na minha academia de arte, com mais de uma centena de alunos, pensei que Portugal me permitiria, com alguma facilidade, continuar esse percurso. O meu povo espera isso de mim, também. Enquanto referência para eles, sinto essa obrigação e desejo. Quero honrar o Afeganistão e quero que eles possam olhar para mim como alguém que teve a coragem de sair do país, de procurar um futuro melhor e ser bem sucedido no seu trabalho.
Foram muitos os artistas que abandonaram o país, uns estão em França, outros na Alemanha, no Canadá, na Bélgica… e a maioria está a conseguir expor as suas obras. Eu serei dos poucos que ainda não teve essa oportunidade, embora possa estar para breve.
Estive num campo de refugiados no Qatar antes de vir para Portugal e nesse campo consegui expor. Aqui é tão difícil… e é tão importante para mim.


É difícil para um refugiado Afegão dar a conhecer o seu trabalho em Portugal e vender os quadros?


Quando decidi vir para Portugal, pensei que era muito fácil. Depois de ter estado em Lisboa algum tempo, percebi que não seria tão fácil assim e que o país não era assim tão bom como imaginara, para os artistas plásticos. Entretanto vim para Beja e ao fim de algum tempo, as coisas começaram a correr melhor. Direi que não é muito bom, mas que é bom. É importante darmos o melhor de nós e do nosso trabalho às pessoas, para que elas o possam reconhecer. Sei a qualidade do meu trabalho, sei o que faço, e portanto, dou sempre o melhor. Comparando com a altura em que  comecei no Afeganistão, numa situação extremamente difícil e com muitos estudantes, o que aconteceu foi quase inacreditável, pois vendi uma grande parte de todos os meus trabalhos. Contudo, ao pensar nos dois países, para mim, é mais fácil trabalhar em Portugal, pois aqui as pessoas valorizam e reconhecem o nosso trabalho,  e gastam dinheiro para o adquirir, enquanto no Afeganistão a pintura vem num patamar de fim de linha. As pessoas apenas compram pintura, quando já têm tudo, até mesmo as classes mais abastadas. De qualquer forma, não consigo ainda viver só da pintura e sustentar a minha família, pelo que tive que arranjar um outro emprego a tempo inteiro numa empresa próximo de Beja.


O que pensa da cultura em Portugal e em Beja?

Em Portugal, cultura é sobre liberdade. Existe uma tendência para a cultura que se inicia em criança e que perdura ao longo do tempo. Música, dança, são expressões livres entre pais e filhos, entre amigos e grupos de pessoas. No Afeganistão não é possível cantar ou dançar em público e muitas vezes, mesmo no seio da própria família. Em Beja, por exemplo, os grupos de amigos juntam-se, cantam normalmente, convivem noite dentro,  e essa forma de estar é também cultura e é muito interessante.

 

Dizemos com frequência que o Alentejo tem um horizonte infinito. Concorda?

Concordo. Ao olharmos em volta parece que nunca acaba. Eu venho de um país e de uma zona com imensas montanhas, muito bonitas, mas que nos limitam o olhar. Aqui, vê-se sempre mais além e o pôr-do-sol é imenso.

 

Agradecemos-lhe bastante a disponibilidade e desejamos que o Alentejo vos traga tudo aquilo com que sonharam e que esse horizonte sem fim seja também a vossa visão para a vida.




segunda-feira, 17 de abril de 2023

Alentejo ... porque o horizonte é infinito ... Entrevista Diogo Nascimento

 

Podemos dizer que o Diogo Nascimento é um apaixonado filho da terra e do território. engenheiro de formação, tem profundo conhecimento da região do Baixo Alentejo, muito pela sua longa ligação à Edia, mas também pela sua actividade de perito avaliador e empresário.

Considera que, no Alentejo, o horizonte é infinito?

Em primeiro lugar, deixe-me agradecer o convite e felicitar a hall magazine, assim como a Hall Paxis pelo trabalho que tem desenvolvido na nossa região nos últimos anos.

Sim, sou um filho da terra preocupado e atento ao desenvolvimento da nossa região. Não me sinto um empresário, porque um empresário arrisca e toma a liderança em muitos projetos, e isso eu não tenho feito. Considero-me um técnico, com uma vasta experiência na gestão pública, que tem tido o privilégio de trabalhar no principal projeto de desenvolvimento territorial que a minha geração presenciou. O projeto de Alqueva, no qual estou envolvido faz este ano 25 anos, tem sido uma experiência profissional e um desafio que marcou a minha carreira. Quando regressei a Beja, depois de estudar e de começar a trabalhar noutros locais, tive a oportunidade de ingressar na EDIA, que tem sido uma empresa de referência e que muito tem contribuído para o Alentejo, e mais concretamente, para Beja. Simultaneamente, desenvolvo uma atividade de avaliador imobiliário, fruto da necessidade que tive em aprofundar conhecimentos e alargar a minha atividade profissional ao longo dos anos.

Igualmente, a minha preocupação, tem levado a que me tenha envolvido, de forma voluntária, em várias áreas da sociedade, trabalhando principalmente na área desportiva, onde exerço atualmente funções de vice-presidente da Associação de Futebol de Beja e na área social, com funções nos órgãos sociais de duas IPSS que trabalham afincadamente na nossa cidade e no nosso distrito.

Respondendo à sua pergunta, realmente o Alentejo é uma das regiões do país e da Europa com maior potencial de desenvolvimento, com uma diversidade única, e que quando pensamos e sonhamos podemos entrar naquilo que é o infinito de oportunidades e soluções que são colocadas à nossa frente. Assim, sim, o Alentejo, dadas as suas características, sociais, humanas, territoriais, paisagísticas, …. É infinito!

 

Na sua opinião, as lacunas existentes relacionam-se, essencialmente, com que factores?

Lacunas existem sempre, mesmo nos locais e economias mais desenvolvidas. Na minha opinião, o nosso principal problema tem a ver com a questão demográfica.

Nos últimos 70 anos, na generalidade, o Alentejo tem perdido população, à exceção de um ou outro concelho que devido a um ou outro projeto concreto tem provocado o efeito contrário, o que tem conduzido a falta de capacidade para resolver e conseguir colmatar alguns problemas com que a região se tem debatido.

A falta de capacidade para a fixação da população, associada à inexistência de políticas públicas eficazes, abrangentes, mas que permitam a diferenciação, torna a região mais vulnerável quando comparada a outras regiões do país.

Não percebo porque é que os vários governos, e são vários nos últimos 40 anos, não assumem de forma inequívoca e clara, que uma das principais missões que o país tem é conseguir fixar a população no interior, apostando em programas com envelopes financeiros com orçamentos significativos, para permitirem que as medidas sejam eficazes. Ouvimos muitos discursos, e frases feitas, mas medidas concretas e diferenciadoras, que permitam a fixação da população, de quadros técnicos especializados e outros, e respetivas famílias, não vemos que tenham tido eficácia.

Beja é um exemplo disso. Com o projeto de Alqueva, vemos a criação de novas empresas, de empresas sediadas noutros locais, mas que os seus quadros não se fixam na região. Trabalham cá, pernoitam em Beja durante a semana, mas não decidem vir para cá morar. Temos que ser capazes de tornar o nosso território atrativo, para além de trabalhar, mas para viver….. Se formos capazes de o fazer, então muitos dos problemas com que nos deparamos serão resolvidos. Uns devido ao aumento populacional, outros devido às dinâmicas de mercado que, entretanto, se vão criando.

São situações e questões que me preocupam, na qualidade de bejense, que decidiu continuar em Beja, que é casado e tem três filhos. Que futuro queremos para os nossos filhos e netos? É uma questão que me coloco muitas vezes….

 

São as mentalidades determinantes para a mudança de paradigma? Conseguimos trabalhá-las? De que forma?

Completamente. Ao nível profissional, devemos olhar para a concorrência não como inimiga, mas como parceira. No território em que somos muito poucos, teremos todos a ganhar se trabalharmos de forma organizada, ganhando efeito de escala, e com isto potenciando os setores mais competitivos e diferenciadores que temos.

Ao nível mais humano e individual penso que há muito a fazer. Trabalhando ao nível dos diversos escalões etários, e sem querer alterar a nossa identidade e personalidade, devemos encarar a nossa nova realidade, resultante da globalização, como uma oportunidade.

Dou este exemplo. Se queremos, ou achamos que devemos ter uma sociedade mais participativa e colaborativa, então temos que ser capazes de induzir esta forma de estar nas nossas gerações mais jovens. Ainda recentemente, vi uma notícia, que uma percentagem muito significativa de jovens discute política…. É um ótimo sinal! Vejo que os jovens estão mais abertos a discutir os problemas e a não ficarem indiferentes relativamente ao que os rodeia. Mas se queremos que os mesmos se envolvam de forma comprometida, temos que desde cedo, na escola, diferenciar esses mesmos jovens que dedicam algum tempo a trabalho social, cultural, voluntariado, e outras atividades em prol da sociedade. Esses jovens deveriam ver o seu aproveitamento escolar majorado de alguma forma, quando comparados com outros que estão indiferentes…. Se perguntar a um professor, se calhar vai-nos dizer que não concorda nada, mas penso que é o caminho.

Igualmente, quem se dedica a uma causa, integrando órgãos sociais de determinadas entidades e setores, voluntariamente, também teria que ter algum benefício, como, por exemplo, o aumento de anos para contagem da reforma…. Desta forma, talvez conseguíssemos fazer com que as instituições que desempenham papeis fundamentais em muitas áreas da nossa sociedade, substituindo-se ao papel do Estado, fossem mais ativas e despertassem mais interesse às pessoas.

 

Assistimos, nos últimos anos, a uma transformação profunda em termos paisagísticos e económicos, desencadeando as inevitáveis alterações no tecido social.

Como caracteriza cada um destes aspectos e que correcções sugere que possam ser feitas, hierarquicamente, de cima para baixo, ou seja, do poder central, para o poder regional e cidadãos?

O desenvolvimento económico também traz questões e aspetos que necessitam de correções e acompanhamento. Não podemos reivindicar que queremos uma região mais desenvolvida e esperar que nada aconteça ao nível social e paisagístico, quando esse desenvolvimento passa também pela alteração da paisagem.

Mas penso que não devemos olhar apenas para a árvore, mas para a floresta no seu todo.

Ao nível da paisagem, se tivermos planos de ordenamento que estejam adaptados, atualizados e que permitam a adaptação do território de forma ágil e sustentada, tudo será mais fácil. Na realidade não é assim que as coisas se têm desenvolvido, e depois somos confrontados com algumas situações em que nada é respeitado. Por outro lado, o Estado tem que ter capacidade de fiscalizar e sensibilizar os vários agentes, o que, a meu ver, não tem sido feito de forma eficaz e regular. Se não tivermos um Estado com capacidade reguladora e fiscalizadora, cairemos numa situação em que as lacunas se tornam normais e rotineiras. O que não é nada bom.

A questão social, considero que é o maior desafio que a nossa região atravessa, e muito particularmente, Beja. Além do desafio da fixação da população, como referi atrás, os fluxos migratórios que temos assistido nos últimos anos na nossa região obrigam a serem criadas capacidades de resposta, tanto para situações urgentes, como para situações que tenham como objetivo a integração total dos residentes temporários que se estabelecem no nosso território.

Igualmente, teremos de ser capazes de continuar a dar apoio às situações de desigualdade social que já existiam e que continuam a existir, que vão desde o acompanhamento a pessoas idosas que vivem sozinhas e isoladas, como a pessoas com problemas ao nível psíquico e de saúde.

As responsabilidades são de todos aos vários níveis. Ao nível central há a obrigatoriedade de criar programas de apoio concretos que permitam dotar as instituições que estão no terreno de meios humanos e materiais, por forma a exercer o seu trabalho da melhor forma e o mais próximo possível das pessoas. Ao nível local, os municípios têm um papel fundamental. Pelo conhecimento mais próximo que têm, e que poderão ter, das várias situações, por forma a classificar o que é mais urgente e necessário, como pela capacidade operacional que serão obrigados a implementar, agora, com a descentralização de competências ao nível social.

Mas, na minha opinião, o grande desafio que os municípios têm para os próximos anos, até final de 2026, será a implementação a estratégia local de habitação (ELH). A ELH consiste num envelope financeiro, no âmbito do PRR, que apoiará a construção de novas habitações e a reabilitação de habitações existentes, com vista à melhoria do parque habitacional existente.

Só disponibilizando habitação condigna conseguiremos minimizar desequilíbrios sociais existentes, criando critérios claros e rigorosos para a atribuição dessa habitação, exigindo o respetivo retorno por parte da sociedade.

Aqui, há trabalho a fazer em Beja, que, na minha opinião, ainda não conseguiu ter a dinâmica necessária para cumprir o compromisso assumido, correndo o risco de chegarmos ao final de 2026 e perder-se esta oportunidade.

 

 Cumpre, o território, a sua missão de agregação de populações, de fusão, de complementaridade?

É uma pergunta difícil de responder, e que a resposta seja apenas num sentido. Em muitos aspetos sim, mas existem outros que infelizmente ainda não foi capaz de o fazer.

Se olharmos para o Alentejo, e tendo presente as suas caraterísticas, dimensão, dispersão populacional, distâncias entre povoações, e quando vemos cada vez mais dificuldade das populações em dispor dos serviços públicos essenciais de proximidade, então o território não cumpre a sua missão de agregação e de fusão.

A realidade e disparidade entre cidades, vilas e aldeias é muito acentuada na nossa região.

Como queremos captar as novas gerações, os novos profissionais, os nómadas digitais (que estão muito na moda), se não temos para oferecer os serviços públicos básicos de proximidade. Claro que é um custo, mas é um custo que o Estado tem que assumir e interiorizar nos vários orçamentos, sejam eles mais à direita ou mais à esquerda. Não se trata de ideologia política, mas de desenvolvimento do território.

Espanha e França, apesar das inúmeras diferenças e problemas que têm, têm conseguido minimizar esta questão, onde vemos a existência de cidades de média dimensão e vilas mais apetrechas que as nossas.

Mas ao mesmo tempo, temos bons exemplos de agregação e fusão. Talvez o mais recente, na minha opinião, prende-se com o cante alentejano. Sempre existiu e foi cantado em muitos lugares, mas em poucos anos tornou-se uma marca transversal ao território, com algumas nuances, e que conseguiu mostrar um território uno e a falar a uma só voz.

 

Como vê a região no médio prazo?

A médio prazo, vejo que teremos um Alentejo e, especialmente, um Baixo Alentejo diferente, com capacidade para que algumas destas transformações se consolidem e contribuam para um território melhor. Claro que o contributo de determinados projetos será fundamental, tais como o alargamento do porto de Sines, as explorações mineiras, a consolidação e evolução tecnológica do regadio de Alqueva, entre outros, para a fixação de pessoas, especializadas e que tragam mais massa critica ao território. Mas será fundamental, a meu ver, a conclusão de duas obras fundamentais: a A26, com ligação à fronteira e não apenas a Beja e a eletrificação da linha férrea com ligação a Lisboa, diminuindo o tempo de viagem. São as duas infraestruturas decisivas para que dentro de 20 anos tenhamos uma região melhor! É o que espero!

 


 

 

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Alentejo ... porque o horizonte é infinito ...Entrevista Evaristo Amaro

 

Evaristo Amaro tem um vasto currículo de actividades, às quais sempre dedicou grande profissionalismo e foco. Depois de ter passado pela área comercial e da respectiva gestão, mantém ligação à área de bem estar e abraçou as leis há cerca de 13 anos. Qual foi a motivação para este virar de página na sua vida profissional?

Não foi bem um virar de página, mas sim, mais uma página a acrescentar a outras já escritas. Desde sempre, que me conheci com um sentido de Estado, e um gosto especial pelo emaranhado de Leis, que forma o nosso ordenamento jurídico. O apelo pela área Jurídica, não foi o concretizar de um sonho, como acontece com várias pessoas, mas sim, de uma necessidade de preenchimento, de construção de uma personalidade, que sabia ser este o caminho a seguir. Depois de percorrer caminhos académicos na área da Psicologia, e da Administração de Empresas, da Formação, e da Segurança no Trabalho, foi a Solicitadoria, que preencheu um espaço em aberto, enveredando por esta Profissão, de que muito me orgulho, e que me disponho a dignificar.

 

Não raramente lhe chegam clientes com processos complicadíssimos e das mais variadas índoles. Nos processos de heranças, por exemplo, que conselhos dá a quem o procura acerca da regularização do património?

Os Processos que abordam as Sucessões, são sempre de uma maior complexidade, pois ao mesmo tempo, que vamos atuar na área do Direito Patrimonial, em relação à gestão processual, temos em simultâneo, que saber gerir emoções, muito próprias de quem perdeu um familiar. Existem dois tipos de clientes, que procuram um/a Solicitador/a que os ajude nas questões de Heranças, o cliente que não tem conflitos com os outros Herdeiros, e o cliente que tem conflitos, que pensam ser insanáveis. São estes que se tornam mais difíceis de gerir, mas que por vezes até se tornam mais fáceis, pois as partes desconhecem a legislação a aplicar, e as suas vertentes e soluções, as quais nos prontificamos a esclarecer, a maior parte das vezes, com resultados positivos. Depois de questionar as pretensões dos clientes quanto ao destino a dar aos bens móveis e imóveis, é feito um aconselhamento e gestão Processual, aplicado a cada caso, que entre outras soluções, pode culminar em Partilhas, ou na alienação do património, colocando os imóveis no mercado de venda, efetuando a legalização documental dos mesmos. O Trabalho do Solicitador, passa também por efetuar a gestão documental, para elaboração da Habilitação de Herdeiros e na Participação do Imposto de Selo sobre as Transmissões Gratuitas.

 

 Ainda na parte do património imobiliário, quer explicar-nos um pouco a importância de os documentos estarem em conformidade, relativamente a titulares, áreas, usufrutos, etc?

Para uma área como a do Património Imobiliário, que está em constante mutação, com um movimento de vários milhões de euros/dia em Portugal, com uma legislação muito variada, e dispersa por vários Diplomas, é crucial que a legalidade dos Documentos que instruem os Processos esteja em conformidade com o que a Lei exige. A título de exemplo, a Lei exige que um imóvel, para ser alienado, o titular tem que ser detentor desse direito, estando inscrito na Certidão Permanente Predial, no entanto é permitido que o detentor do direito possa alienar, sem ser o titular inscrito, com documentos instrutórios como Habilitação de Herdeiros, Testamento, actos no próprio dia, entre outros.

A uniformização das áreas, na Caderneta Predial e na Certidão Permanente, é outra das premissas necessárias para a transmissão do imóvel, podendo ser corrigidas nos termos da Lei.

No que toca ao usufruto, é esta uma figura jurídica cada vez mais utilizada, principalmente na alienação por Doação, transmissão da titularidade em vida, em que o Doador reserva para si o Usufruto e doa a Nua Propriedade, o que se verifica essencialmente na transmissão do imóvel, entre pais e filhos.

Numa Gestão processual, além dos supra referidos, incluem-se outros documentos instrutórios, cuja conformidade é necessária para uma compra e venda de imóvel urbano, tais como Procurações, quando aplicável, a Licença de Utilização/habitabilidade, ou a sua isenção, a Ficha Técnica de Habitação, quando aplicável, a Certificação energética, quando aplicável, o pagamento do IMT e do Imposto Selo, a Declaração de Não divida do condomínio, quando aplicável, e os Direitos de Preferência. Quantos aos prédios Rústicos, além dos documentos instrutórios, são também notificados os confinantes do prédio em causa, para o exercício dos Direitos de preferência.

 

 Vivem-se tempos confusos, que por vezes levam as pessoas a tentar “desenrascar-se” sem recorrerem à ajuda de profissionais conhecedores. Na sua opinião, quais as mais valias e conforto para os cidadãos que a solicitadoria tráz nas áreas onde actua?

O exercício da Solicitadoria é uma profissão regulada, quer pelo Estado, quer pela Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução. Só por si, o facto de ser uma profissão regulada, implica aos cidadãos um nível de confiança nos profissionais de Solicitadoria.

São estes Profissionais que podem praticar os Actos Próprios dos Solicitadores e dos Advogados, previstos na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, configurando Crime de Procuradoria Ilícita, quem os praticar, sem que para o efeito esteja habilitado.

Ao cidadão que procurar um/a Solicitador/a, desde logo tem a garantia de ser atendido por profissional qualificado/a para o efeito, que conhece as matérias em análise, que detém acesso às Plataformas necessárias para a elaboração de determinados Actos, que detém o saber necessário para ao aconselhamento e que está legalizado para exercer uma profissão com um alto nível de exigência jurídico, sendo dotado/a de competências para o efeito.

 

É a transparência fundamental em todos os processos?

Nem consigo imaginar um Processo, onde a transparência não seja um dos pilares fundamentais à sua concretização. É a transparência que acalma todas as dúvidas, que possam surgir no decorrer de uma gestão processual imobiliária, que sossega os ânimos e anseios, e que define os bons, dos maus profissionais.

 

O Evaristo é oriundo de uma freguesia do concelho de Beja, onde cresceu com a simplicidade das gentes locais. Considera que essa vivência tem influência na sua forma de estar, de trabalhar e de olhar o próximo?

Sim, certamente que sim. Considero ser na infância, e adolescência que assenta a construção do nosso perfil pessoal, social, e em alguns casos até profissional. Os alicerces de um projeto de vida, assente nos valores de família, no respeito pelos outros, na dedicação às causas, no companheirismo, na amizade, na predisposição para a aprendizagem, no amor às nossas gentes e ao nosso território, na capacidade de compreender a nossa envolvência na comunidade e na necessidade de evolução.

Todos estes valores aqui referidos, não são inatos, são fruto de uma vivência e de opções. São estas opções que tomamos, que nos definem, na forma como somos aceites, e transportamos diariamente quer para o nosso plano familiar, social e profissional. 

 

Ainda falando nas suas origens, o que lhe diz o horizonte? É ele infinito?

Compreendo quem encontra uma certa tranquilidade e conforto, naquilo que já é ou já tem, não aspirando a outros voos, e até rejeitando a aprendizagem.

Compreendo, mas não me revejo nesta tomada de posição. A linha do horizonte, quando o observamos, deixa-nos a perceção de que é finita, mas quando nos deslocamos no seu sentido, e aquela primeira linha que observámos é ultrapassada, visionamos uma outra logo de seguida. É neste conceito que assenta a minha busca por novos horizontes, novas formas de crescimento, valorização pessoal e profissional, numa constante procura pela aprendizagem e solidificação de conhecimentos. “…Ainda há tanto para se aprender, ainda há tanto para caminhar, ainda há tanto o que viver... que às vezes parece que nunca vai chegar. Mas a vida tem dessas coisas, um dia de lutas, outro de vitórias. Quem não passa pelo campo de treinamento da vida não está apto para vivenciar o melhor que ela tem a oferecer….” Letícia Ayala.

 


sexta-feira, 31 de março de 2023

Alentejo ... porque o horizonte é infinito ... Entrevista Fátima Santos

 Professora, escritora, amante de Arte, Fátima Santos tem na língua Portuguesa o pilar do qual são feitos os dias.

Pode dizer-se que a Fátima transpira palavras, já que, além dos tempos lectivos, publicou cinco livros em 2022.

Como olha para o actual ensino da Língua Portuguesa nas escolas?

Desde a implementação dos Programas de Português de 2002, os alunos trabalham diferentes competências (leitura, escrita, oralidade, gramática e educação literária), paralelamente ao desenvolvimento de competências de cidadania. Apesar de terem sido feitas algumas alterações, posteriormente, esta continua a ser a essência da aula de Português e os autores canónicos mantêm-se, na generalidade. Desde 2017, a Legislação prevê que se realizem projetos de articulação curricular, em tempos de autonomia e flexibilidade curricular, e estes também se constituem como estratégias que contribuam para o desenvolvimento das competências mencionadas e vão ao encontro de uma mudança de paradigma que mais se adeque aos nossos tempos. O principal problema é o excesso do número de alunos por turma, e o número de turmas e de burocracia e outras tarefas por professor, o que dificulta que sejam realizadas mais atividades de escrita criativa, por exemplo, porque já temos muitos instrumentos de avaliação para elaborar e corrigir, restando pouco tempo para a realização de textos de temas e géneros livres e outras atividades de complemento curricular.

O Acordo Ortográfico não é um dilema para os alunos, porque já foi implementado há muito tempo e as aprendizagens são realizadas por manuais que estão em conformidade com o mesmo. O maior problema é que, em geral, os jovens leem pouco e comunicam muito por mensagens abreviadas, o que leva a que tenham um vocabulário muito reduzido.

 

O papel do professor, muitas vezes, determina a vocação do aluno, tendo uma importância preponderante nas suas escolhas.

Em que medida os “seus meninos” são influenciados pela professora-escritora-mulher-cidadã e que paralelo estabelece entre essa influência na escola de hoje, com a sua experiência pessoal ao longo dos anos?

Quer queiramos ou não, somos sempre influenciados pelos nossos professores. Eu lia bastante e essa era uma forma de ocupar o tempo livre. Hoje, as solicitações e interesses dos jovens são diferentes. Recordo-me perfeitamente do nome de quase todos os meus professores e daqueles que mais me marcaram e contribuíram para a construção da minha personalidade. A minha professora de Francês, por exemplo, ensinou-me a gostar da música francesa e da arte plástica. É natural que a minha forma de olhar o mundo também se projete nos meus alunos, como acontece com qualquer professor. Um dos livros que publiquei foi prefaciado por um ex-aluno meu, o Hugo Cunha Lança, que já é doutorado e professor no ensino superior. Em Seara poética, o Hugo menciona o nome de vários professores que o marcaram e refere que a Professora Fátima Santos (...) “está insofismavelmente tatuada no meu devir, pessoal e profissional”. No dia do lançamento de Um acaso na Praia dos Cinco Reis, o Daniel Sanina, um exímio poeta e também meu ex-aluno, na impossibilidade de estar presente no evento, enviou-me uma carta com um dos seus poemas, do qual transcrevo um excerto “Vislumbrei um tesouro que.../ Espero adquirir a curto prazo/ E vou por certo deliciar-me.../ Pois sei que é um troféu.../ Daqueles que vão até ao céu!/ Sei bem que nos entendemos.../ Cá de longe.../ Professora minha, Fátima Santos.../ De poesia em mil encantos!”. É claro que fico muito orgulhosa por saber que as emoções perpassam o tempo e que toquei a sensibilidade de alguns jovens, que, apesar da distância e do tempo, me recordam desta maneira. E esta é uma situação comum a tantos outros meus colegas, porque a escola é um espaço de humanidade, onde se cruzam tantas realidades e tantos contextos que é impossível não levarmos na bagagem experiências, influências e sentimentos partilhados.

 

Nota-se na Fátima uma preocupação relativa aos seus públicos-alvo, quando publica um livro. Um acaso na Praia dos Cinco Reis dirige-se a um segmento mais novo. Qual foi a sua motivação ao pensar este livro?

A minha motivação para Um acaso na Praia dos Cinco Reis foi o atual contexto sociocultural do Alentejo, onde se cruzam pessoas de várias nacionalidades, devido às questões das migrações, o que impõe uma reflexão sobre a forma como olhamos o outro. E o outro poderemos ser nós, quando há, por exemplo, uma catástrofe natural que nos obriga a mudar de espaço e a confrontarmo-nos com uma vida nova, despojados dos nossos bens, o que pode suceder a qualquer pessoa. Por outro lado, a inclusão deve contemplar o respeito mútuo e é importante veicular as nossas raízes e tradições, o que facilita a aprendizagem de uma língua e leva a uma melhor compreensão e aceitação das diversidades culturais. 

 

Na sua opinião, as plataformas digitais e a imensa oferta disponível, actualmente, distraem as crianças e os jovens da descoberta da leitura, do cheiro do papel, do gosto de entrar numa livraria e caminhar entre prateleiras e estanteria?

Sim, as plataformas digitais têm vantagens pela rapidez com que pesquisamos informação ou comunicamos pessoal e profissionalmente, mas roubam tempo à intimidade com o livro, à fruição do cheiro e do toque no papel, que, para mim, ainda continua a ser muito importante. Cheirar um livro novo é maravilhoso, quase consigo senti-lo, enquanto lhe estou a responder, tão impregnada tenho esta sensação.


“Contemplo a beleza

Das folhas da Natureza

Ímpar Singeleza”

“Nesta solidão

Entre fragas e planuras

As minhas agruras”.

Excertos do seu livro Palavras Tecidas pela Vida.

Que paralelismo traça entre a natureza presente nas suas obras, a simplicidade, e a poesia de origem japonesa expressa nestes haikais?

Gosto de ler Paulo Leminski, escritor brasileiro que cultivou bastante este género poético, e comecei a escrever uns haikais por brincadeira. Quando me apercebi, tinha escrito vários, indo ao encontro da etimologia da palavra haikai, vocábulo composto por duas palavras da língua japonesa: hai (gracejo) e kai (realização). Seguindo o modelo dessa forma poética tradicional do Japão, tento transmitir, metaforicamente e com simplicidade, pequenas mensagens, recorrendo, em geral, a elementos da Natureza que me inspiram.


Reportando-nos ao seu poema “Natal Alentejano”, integrante do livro Seara Poética, a alma alentejana encontra-se muito bem expressa nos versos que o compõem.

“É Alentejo com certeza

É a alma portuguesa

As vozes que o cante entoam

E as violas e concertinas que soam

Neste chão tão sagrado

De tradição e história povoado

Pelo Menino Deus abençoado”

Têm sido, a nossa alma, a nossa cultura e aquilo que somos tratados condignamente?

Creio que a nossa alma e a nossa cultura são tratadas condignamente e muito amadas, havendo cada vez mais pessoas a prezar o nosso “vagar”, nesta correria e ambição humana desmedidas que põem o mundo em convulsão. O cante alentejano foi elevado pela UNESCO a património imaterial da humanidade, a nossa Paz, a nossa paisagem, a nossa gastronomia e o nosso artesanato são muito apreciados por quem nos visita. No entanto, temos um riquíssimo património histórico-cultural que pode ser mais valorizado e disponibilizado aos residentes e aos visitantes, nomeadamente espaços religiosos que não são apenas lugares de culto, mas riquíssimos repositórios culturais. É neste aspeto que creio que seria importante uma boa coordenação dos espaços museológicos e religiosos que se poderiam constituir como grandes atrativos para o turismo.

 

“Alentejo … Porque o horizonte é infinito”. Este é o tema da nossa revista.

Na sua opinião, é preciso alargar esse horizonte para que se torne infinito?

Excelente tema, pois é tão amplo o horizonte do Alentejo, que nele cabem os grandes sonhos de qualquer pequeno homem ou de qualquer pequena mulher. Temos inúmeras potencialidades que permitem conjugar o moderno e o tradicional. Haja vontade política para tornar este paraíso ainda mais apetecível e com ofertas que permitam uma condigna qualidade de vida a quem o habita, a quem o visite ou a quem queira aqui fixar a sua residência.

 



 

 

 

sexta-feira, 24 de março de 2023

Alentejo... porque o horizonte é infinito ... Entrevista Hugo Bentes

 

Serpense, a trabalhar na Divisão de Cultura e Património da Câmara Municipal da sua cidade, foi técnico de som nos estúdios da Musibéria, Integrou o Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, é um dos actuais membros do projecto Os Alentejanos e integra a direcção da Confraria do Cante Alentejano, sediada em Serpa. Enquanto cantador, integrou dois projectos de Celina da Piedade e o documentário Alentejo, Alentejo, um dos grandes impulsionadores da elevação do Cante Alentejano a Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Dá o salto para o cinema e, em 2019, é distinguido como melhor Actor Principal no filme Raiva, de Sérgio Tréfaut, pela Academia de Cinema Português, nos Prémios Sophia. Filme baseado no romance Seara de Vento de Manuel da Fonseca, de 1958, onde se retrata a pobreza, o abuso de poder e opressão, as injustiças sociais e a luta de classes. Em 2023 surge novamente nos ecrãs, em A Noiva, o novo filme de Tréfaut.

O que é que o mundo lhe tem trazido?

Dada a conjuntura global que vivemos nos dias de hoje, que poderei dizer?

O mundo, traz-me cada vez mais incertezas, o que podemos dar como garantido ou adquirido, hoje, amanhã poderá já não o ser. Gosto de viver um dia de cada vez, sem esperar nada em troca!

O mundo é ocupado por diversas coisas que nós já esperamos dele, guerra, diversidade, cultura, ofensas, poluição, etc. Às vezes, até falamos disso, temos que pensar no futuro que queremos para o mundo!

 

O Hugo foi o rosto do cartaz do documentário Alentejo, Alentejo, um dos grandes impulsores para que o cante alentejano fosse elevado a Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Após isso, e enquanto membro do projecto Os Alentejos conta com participações internacionais, como são exemplo a Expo Dubai ( foi com a Celina da Piedade e as vozes do cante) e, mais recentemente, Singapura . Como é que olha para esta fusão de mundos, culturas e patrimónios e de que forma sente que se olha para o Cante lá fora?

É sempre um privilégio, conhecer e contatar com outras culturas e formas de estar! Levar o cante alentejano aos quartos cantos do mundo é um orgulho.

Mesmo antes de ser património da humanidade, o cante alentejano já era ouvido além-fronteiras e sempre foi reconhecido como uma forma de expressão única e genuína, o reconhecimento pela Unesco, só lhe veio acrescentar ainda mais notoriedade.

O projeto “OS Alentejos” , é um dos projetos em que participo, tal como com a “Celina da Piedade e as vozes do Cante” projeto este, que foi convidado, para representar Portugal na Expo Dubai.

Em vários concertos lá fora, nomeadamente na Asia e reação das pessoas surpreende-nos sempre. Podem não perceber ou falar uma palavra em português, mas quando ouvem cantar alentejano, o silêncio apodera-se de quem está a ouvir, quase como se estivessem a perceber as letras, e em alguns momentos, vemos pessoas com lágrimas nos olhos.  Isso, só por si, demonstra que o cante alentejano, tem o poder e a capacidade de tocar outras cultura e formas de estar.


Recebeu, em 2019, a distinção de melhor Actor Principal no filme Raiva, pela Academia de Cinema Português, nos Prémios Sophia. Como é que se dá este salto para o cinema e quão enriquecedora tem sido esta vi(r)agem?

Nunca pensei ser ator, simplesmente aconteceu, aconteceu tudo naturalmente.

Foi no filme Raiva e graças ao Sérgio Tréfaut, que percebi, que afinal, tinha algum jeito para a interpretação. A partir daí os trabalhos foram surgindo naturalmente, novos desafios que abracei, que me enriqueceram como pessoa e como ser humano, o enorme privilégio que tenho em trabalhar com pessoas magnificas.

É gratificante, quando vemos o nosso trabalho reconhecido e valorizado, o rigor e profissionalismo, acompanha-me sempre na forma como encaro as coisas e como me entrego a elas.

Mais uma vez, um obrigado ao Sérgio Tréfaut, por ter acreditado em mim, e à Academia de Cinema Português, pela distinção com o prémio Sophia.


Raiva retrata uma luta se classes, nos anos 30, trazida à luz por Manuel da Fonseca nos anos 50. Tempos austeros, anteriores à existência de partidos políticos organizados, sindicatos e associações diversas, mas onde já era sentida a necessidade de movimentação e denúncia, em prol da dignidade e dos direitos. Traçando um paralelismo com os tempos actuais, onde posições extremistas e radicalistas ganham cada vez mais terreno, qual a importância da mensagem que o filme transmite?

Este Filme, RAIVA, é uma tragédia alentejana com origens históricas com uma mensagem de revolta, um retrato da injustiça social, que ainda é relevante nos dias de hoje.

Um ciclo que se repete, e continuará sempre a repetir-se, através de novas formas. Infelizmente, é bem capaz de ser uma mensagem que será sempre relevante enquanto a humanidade existir.


Conta, entretanto, com outras participações cinematográficas, a mais recente em A Noiva, também de Sérgio Tréfaut. Sabemos que esta foi uma participação desafiante, muito choque cultural presente no filme. Quer falar-nos um pouco sobre isso?

Sim, foi mais um grande desafio que aceitei!

Este filme foi rodado na integra no Curdistão Iraquiano, em plena pandemia.

O personagem que interpreto, é de um "Pai” de uma jovem luso-francesa que foge de casa para casar com um guerrilheiro do estado islâmico.

Quando li o argumento, ao início fiquei um pouco irrequieto com a história que tinha entre mãos, dei por mim a pensar, como poderia construir esse personagem, sendo eu pai, sem à partida fazer qualquer tipo de juízo de valor? Tentar perceber os motivos que levam jovens a tomar estas decisões, é no mínimo complicado, ou até mesmo impossível.

Este filme “A Noiva” e baseado em histórias verídicas, de jovens europeias, que fugiram de casa para se juntar a combatentes do autoproclamado Estado Islâmico. Retrata uma adolescente, que fugiu de casa para casar com um guerrilheiro do Daesh, e com isso torna-se uma noiva da Jihad. Ela vive num campo de prisioneiros no Iraque, é mãe de dois filhos e está grávida outra vez. Mas agora é uma viúva de 20 anos e será julgada pelos tribunais iraquianos.


Sente que, se por um lado, culturalmente nos afastamos de outros povos, é também pela via cultural que mais deles nos podemos aproximar?

Acredito, que o desenvolvimento não poderá ser sustentável sem uma forte componente cultural, nas suas diversas formas de manifestações.

Na realidade, só uma abordagem de desenvolvimento centrada no ser humano e baseada no respeito mútuo e no diálogo aberto entre culturas, poderá produzir resultados duradouros, inclusivos e equitativos.

A criatividade contribui para a construção de sociedades abertas, inclusivas e pluralistas. Sabermos respeitar as diferenças culturais é muito mais do que não fazer comentários ignorantes. No entanto e infelizmente, por parte de quem governa, a cultura tem estado ausente e esquecida.

A educação e o respeito, são a chave para entender a cultura de outra pessoa ou povo, e encontrar o caminho do diálogo inteligente, sobre as diferentes culturas que compõem este quebra-cabeça que é a população mundial.


E quanto ao desafio que encerra ser-se actor de cinema a residir em Beja? Sente, de alguma forma, condicionantes em termos profissionais?

Nunca me preocupou essa questão, para mim, uma coisa não invalida a outra, não me sinto condicionado, nem prejudicado de maneira alguma, muito pelo contrário. Prefiro viver aqui, gosto do Alentejo.

O amor que se sente pelo Alentejo é uma coisa que talvez nem toda a gente consiga perceber.


É um Homem da cultura, com mundo na bagagem, mas, sobretudo, um “alentejano de gema”, como olha, actualmente, para o panorama cultural da região?

Boa pergunta, difícil de responder!

Penso, que se pode melhorar mais, assim haja condições e vontade!


É, o Alentejo, horizonte infinito?

Sendo, o Alentejo a maior região do país, e representando um terço do território nacional, poderemos dizer, que o Alentejo é um “horizonte infinito”, e uma região com um potencial enorme para se desenvolver.

Mas infelizmente, o Alentejo, continua a ter problemas crónicos que perduram.

O envelhecimento demográfico, a perda de habitantes, são um dos grandes    problemas que o Alentejo enfrenta, e só com políticas de incentivo, de desenvolvimento, criando as condições certas, para fixar jovens e outras gerações na região, para podermos ter um Alentejo desenvolvido e próspero.



Foto: Ricardo Zambujo



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