–“ Há 2 anos nunca
pensaria ser possível chegar aqui. Isto porque este mundo da tecnologia, ainda
faz confusão a muita gente.” – Afirmação feita pelo João em Novembro de 2019,
no âmbito da sua participação na Lisboa Games Week 2019.
Quer fundamentar-nos
esta afirmação?
Temos tido um caminho muito longo a percorrer, sentimos
diariamente as dificuldades do que é estarmos sediados aqui no interior, mas,
ao fim ao cabo, também dispomos de muita coisa positiva, uma qualidade de vida
fantástica, uma pacatez ímpar… que são factores que também nos ajudam a
desenvolver com mais qualidade estes projectos onde estamos inseridos. Há dois
anos nunca pensámos chegar até aqui, a GeekCase eSports nasce de uma ideias de
amigos que nutriam entre si o gosto pelos videojogos. Partiu também da ideia de
outras pessoas que nutriam igual paixão, mas que não o faziam em termos de
projecto, uma vez que, na altura, os videojogos funcionavam na nossa vida
apenas como hobby. O facto de estarmos ligados à tecnologia e termos por trás uma
empresa como a GeeKCase Sistemas Informáticos, levou a que conseguíssemos
complementar a ideia da GeekCase eSports com a própria GeekCase Sistemas
Informáticos.
Sendo uma empresa sediada numa pequena cidade de interior,
considera que o caminho poderia ter sido diferente se desenvolvesse a sua
actividade numa grande cidade, ou pelo contrário, a pacatez e a tranquilidade
da região são propícias ao desenvolvimento intelectual e criativo requeridos
para alavancar o seu projecto?
A GeekCase é uma empresa cujo core business se centra nos sistemas de
informação, trabalhamos todos os dias com tecnologia, estamos preparados para
inovar e temos crescido muito nos últimos tempos. Tudo isto tem sido fruto de
uma equipa que trabalha com muito esforço, com muita ambição, com muita
motivação… tendo nós juntado todos estes valores ao projecto da GeekCase
eSports. Esta última funciona como uma representação da primeira, mas
envolvendo os videojogos. E não só, tudo isto passa por uma área educacional,
podendo eu falar-vos de um projecto que temos agora entre Portugal e Brasil, e que
surgiu através de um outro projecto que fechámos recentemente com o lançamento
de um livro intitulado “Manual de Sobrevivência para Pais da Geração Gamer”
(que já se encontra à venda através da GeekCase e no Brasil), cuja autora se
chama Teresa Rodrigues e é mãe de um jogador de League of Legends conhecido na
cine brasileira e também a nível mundial.
Juntando tudo, considerámos ser interessante colocar a GeekCase eSports
num patamar diferente.
É muito gratificante para nós o facto de estarmos no Alentejo,
porque actualmente, a nível nacional, somos a única organização do interior que
está ao nível do topo de outras organizações que detêm uma estrutura mais
sólida do que nós, com pouco mais de 2 anos de existência. Temos um longo
caminho a percorrer e temo-lo feito com muito esforço, com muito tempo de
dedicação ao projecto e chegar onde chegámos é um grande orgulho e permite-nos
pensar no futuro, ambicionando que este projecto cresça e nos traga muitas mais
valias.
Podemos afirmar que o estar sediado aqui no Alentejo é uma mais-valia para nós,
pela qualidade de vida de que dispomos, o que é uma vantagem face às grandes
metrópoles. Aqui temos, como é costume dizer, mais tempo para as coisas,
cozinhamos as coisas, preparamos as coisas de uma maneira diferente. Quando nos
deslocamos, por representação, a nível nacional e dizemos que somos do
Alentejo, as pessoas identificam-se connosco, com a nossa humildade, com a
nossa forma de estar na vida, com a nossa pacatez, com a nossa “lentidão” (no
bom sentido) e isto demonstra que o estarmos inseridos no panorama nacional,
sendo oriundos do Alentejo, nos permite ser mais acarinhados. Recordo que até
nas nossas camisolas, em todo merchandising e em grande parte das publicações
que fazemos, levamos o Alentejo connosco. Para nós é um orgulho, ou não
fossemos nós alentejanos, termos decidido investir nesta região, apesar de
todas as dificuldades. E as coisas tem-nos corrido bem, porque trabalhamos
diariamente para isso.
A GeekCase e Sports começou pequenina, pela junção de dois
amigos, eu como CEO e Founder e o Alexandre Brás, que passou como estagiário
pela GeekCase Sistemas Informáticos (e quero aqui ressalvar que gostamos de
envolver os colaboradores dessa empresa neste outro projecto). As coisas
correram-nos bem, muito pelo mérito de um jogado de FIFA (de um para um) que
esteve inicialmente connosco e que obteve excelentes resultados, tendo-nos
permitido o reconhecimento nacional. Após um ano e meio, temos três
modalidades: League of Legends, FIFA e CS Go, tanto na vertente um para um,
como na vertente Pro Clubs (uma vertente que no FIFA é jogada de onze jogadores
para onze jogadores).
As coisas foram acontecendo naturalmente e as pessoas que chegaram e que se
identificaram com o projecto foram também obtendo resultados, sempre passando
uma mensagem de humildade e de que tornar o impossível possível, sendo que isso
depende exclusivamente de nós.
Já conseguimos alguns patrocinadores que nos ajudam com equipamentos e outros
serviços importantes como deslocações e alojamento para os jogadores e,
recentemente, fechámos um sponsor oficial que é a World of Gamer, que fabrica e
vende produtos de gaming ao cliente final.
– Entrando concretamente na área dos eSports
e no que representam, voltamos a citá-lo, quando diz que “numa era fortemente marcada pelos
videojogos, a indústria dos eSports já fatura atualmente mais do que a música e
o cinema juntos. É impossível ficar indiferente a este tema, que para muitos
ainda é um mistério.”
De facto, o mistério
adensa-se. Quer desvendar-nos um pouco do mistério?
Falando um pouco mais sobre eSports, sendo o significado da
palavra desportos eletrónicos, aquilo que eu sinto enquanto CEO da organizão,
(sendo que a nível nacional já existem organizações que se transformaram em
empresas), é que o público não sabe o que são os eSports. Questionam-me muitas
vezes sobre aquilo que fazemos e o porquê de o fazermos, sentindo, eu, que
existe uma grande falta de informação sobre esta industria. Talvez porque
Portugal não está, ainda, ao nível de outros países onde os eSports já estão
vinculados. Como exemplo posso falar na Coreia, país onde os eSports rendem
muito e representam um valor muito elevado, sendo um desporto que se tornou
mais visto do que o futebol mundial.
Há um longo a caminho a percorrer a nível de informação, e é necessário que se
consiga fazer chegar com clareza às pessoas, de forma a desmistificar, a força
dos eSports enquanto actividade e até mesmo empresarialmente.
Portugal tem crescido muito, há cada vez mais jogadores nacionais. Para se ter
uma ideia, na vertente FIFA nós temos dos melhores jogadores do mundo, um dos 8
jogadores do top mundial é português. Curiosamente existem jogadores de futebol
que viram nos eSports uma oportunidade empresarial e que montaram empresas onde
têm outros jogadores com a mesma paixão a jogar.
Já existem em Portugal grandes eventos nesta área, a Lisboa Games Week
realizada na FIL (onde estivemos) e a Moche XL: Universo do Gaming no ALtice
Arena. São eventos que mobilizam milhares de pessoas, também na vertente
educativa, porque os eSports são mais do que um jogo. Toda a componente que os
envolve permite que um jogador competitivo desenvolva muito mais rapidamente
áreas como a criatividade, o raciocínio lógico, a psicomotricidade que é algo
bastante importante, o inglês, a matemática…
Em suma, os eSports são ainda um mistério, porque a sociedade não consegui
ainda perceber a magnitude e amplitude desta indústria. Como nota, a nível
mundial, os eSports facturam mais do que a junção do cinema e da música.
– Fala-se muito em hubs tecnológicos, nomeadamente na zona de Braga e Porto, que têm tido uma forte aposta por parte de start ups. Contudo, é evidente que quem quer empreender na área da tecnologia não tem necessariamente que se fixar nessas zonas, sendo possível trabalhar, por exemplo, no Alentejo.
Na sua óptica, esses
hubs têm tendência a fixar-se em determinadas regiões por algum motivo
especial, ou é possível alargar a sua implantação a outras zonas do país? Quais
as condições, que em seu entender, são fundamentais para a sua criação e
fixação?
Podemos dizer que, em termos de hubs tecnológicos, as start ups, ou aquelas
empresas que desenvolvem grandes projectos, terão sempre como mais valia o
factor localização. Situam-se, por norma, em grandes metrópoles como Porto,
Braga e Lisboa. Não quer dizer que essa seja uma condição obrigatória, mas a
grande massa populacional é também sinónimo de uma maior abrangência de
mercado, fazendo, desse modo, todo o sentido que estas empresas se situem
nestas localizações.
Existem sempre características que o Alentejo tem e que não existem nas grandes
cidades, como sejam a tranquilidade, ausência de stress, qualidade de vida… que
acabam por criar condições de excelência para o desenvolvimento de projectos.
Não é por acaso que os grandes empresários procuram o Alentejo como retiro de
descanso e de inspiração. Aqui as coisas acontecem de uma outra forma.
Quer-me parecer que a fixação de start ups passa muito por, em outros pontos do
país, existir o factor indústria, praticamente inexistente no Alentejo, e que é
um ponto importante para a interpretação do poder do cliente. Aqui tudo passa
por pequenas e médias empresas, até 10 ou no máximo 20 colaboradores, e este é
o nosso cliente tipo. Logicamente, que sendo este um ponto fulcral para o
desenvolvimento do negócio, as start ups tenham todo o interesse em se fixarem
em meios urbanos de maior dimensão e de maior desenvolvimento, uma vez que lá
lhes é permitido abranger um mercado mais amplo, permitindo-lhes também
valorizar muito mais os seus projectos.
No entanto nós optámos por nos fixar aqui, com todos os seus prós e os seus
contras. A nível de formação de novos profissionais, estamos bastante bem
servidos com o IPBeja, instituição de ensino meritória no meu entender, que tem
formado profissionais bastante aptos e competentes que estão neste momento a
trabalhar em vários pontos do país, o que nos falta é investimento e criação de
empresas, que não acontece, exatamente, porque se sente que o mercado está muito
pouco desenvolvido. Por outro lado, o apoio às empresas é bastante reduzido, e
nós sentimo-lo. Um empresário por contra própria terá sempre que fazer por si,
terá que ser obrigatoriamente inovador, tem que ir à procura e tem que ser
diferenciador. Isso é o que lhe vai permitir sobreviver. Ao nível da inovação
temos feito várias novas apostas, como a criação de novas aplicações, marketing
digital, ter o cuidado de passar uma mensagem diferente, por forma a chegar de
forma diferente e construtiva às pessoas.
Aqui no Alentejo, como é meu costume dizer, o empresário por conta própria é um
empresário guerreiro, porque é ele que tem que fazer acontecer, tem que
conseguir perceber quais são as melhores estratégias e adequá-las à realidade
da zona, tem que ir ao encontro dos seus clientes e tem que trabalhar o dobro,
muitas vezes o triplo, para conseguir resultados que, numa grande cidade, se
conseguiriam muito mais facilmente.
– O Baixo-Alentejo depara-se com uma enorme falta de investimento com vista ao seu desenvolvimento, apesar de reunir condições ímpares para que tal seja uma realidade. Uma grande parte desse investimento terá forçosamente que ter origem na actividade privada.
Vê com bons olhos a
entrada de startups de várias áreas na região do Alentejo?
Se lhe fosse pedido que falasse para uma
plateia, sobre as mais valias da implementação de uma startup na região de
Beja, para que convencesse essa mesma
plateia a investir, quais seriam os seus argumentos?
Uma das razões, talvez a principal, pela qual considero que uma startup se deve
sediar no Alentejo, é o facto de existir um grande nicho de mercado inexplorado.
É por nós sentido, diariamente, que a tecnologia utilizada pelas nossas
empresas está ainda muito aquém da tecnologia utilizada nas grandes empresas.
Existe muito trabalho a fazer, muito desenvolvimento ainda por conseguir, pelo
que uma startup que se fixe agora no Alentejo e consiga abranger o mercado de
forma diferenciadora, ajudando, a nível tecnológico, estas empresas a crescer a
todos os níveis (falo, até na formação de colaboradores, que é uma lacuna
perfeitamente visível; ou na dificuldade da aceitação da tecnologia como
veículo de desenvolvimento de negócios), terá sucesso garantido. Será, obviamente
necessário, que esta star up seja capaz de mostrar que veio para ajudar, que a
sua existência se deve à necessidade que existe em auxiliar o crescimento e o
desenvolvimento dos seus clientes, de forma transparente e diferenciadora,
passando a mensagem de que a tecnologia pode facilitar em muito as nossas
tarefas diárias, reduzir tempos, ter um maior alcance, atingir outras metas não
atingidas até ao momento. Não menos importante será a vertente humana, bastante
valorizada por nós, que nos consideramos um povo afável, de braços abertos e
que gosta de bem receber, uma vez que tecnologia sem valores humanos,
característica que se tem ou não se ensina, jamais marcará a diferença.
O Alentejo tem características peculiares. As pessoas, além de muito calorosas, recebem de uma forma que não se vê em mais lado nenhum. Quando se diz “um abraço que nos une”, em termos empresariais, penso de imediato na entreajuda, que é muitas vezes a base das boas parcerias e da própria sobrevivência.
Este abraço será, não só, o abraço que nos acolhe, mas também aquele que damos
uns aos outros, e também a quem nos chega de fora, para que juntos consigamos
colocar o Alentejo no panorama nacional.