João Paulo Trindade é o Presidente do Instituto
Politécnico de Beja. Nos escassos meses de mandato, marcou já a diferença na
dinâmica que tem imprimido ao Instituto.
Pessoa profundamente enraizada no Alentejo e com
uma visão abrangente e de futuro, é hoje nosso convidado para falar acerca da
sua perspectiva sobre o desenvolvimento da região, assim como da interacção
entre o IPB e a comunidade empresarial.
1 - Na sua opinião, qual é o papel que o Instituto
Politécnico de Beja deve assumir dentro de uma estratégia de desenvolvimento
regional do Alentejo e do distrito de Beja, em particular?
Todos tiraremos proveito de um IPBeja forte,
participativo, interventivo, solidário e consciente do seu posicionamento.
Como? (i) Recorrendo às suas atuais competências e promovendo o seu crescimento
e desenvolvimento no contexto do ensino superior nacional. (ii) Aperfeiçoando a
sua notoriedade ao colocar em prática uma estratégia com ações de divulgação
dos cursos e dos resultados dos projetos realizados, levando-os ao conhecimento
da comunidade, fortalecendo a imagem e capacidade de comunicação. (iii) Proporcionando
condições mais adequadas à realidade atual do ensino superior politécnico que
permitam o desenvolvimento de atividades de investigação, marcadas pela inovação
e pelo empreendedorismo, preferencialmente em colaboração com outras
instituições de ensino superior e com a comunidade exterior. (iv) Otimizando a
capacidade de captação de novos alunos, nacionais e internacionais, assim como
a resposta às solicitações da sociedade em geral. O IPBeja tem previsto no
plano estratégico para 2018 um conjunto de ações em estreita ligação com os
municípios, entidades e empresas da região que contribuirão no terreno para
essa estratégia de desenvolvimento regional. Temos presentes
políticas orientadas para a internacionalização, para a investigação aplicada,
para as questões sociais, para os estudantes e para as nossas ofertas
formativas. O IPBeja é uma instituição de ensino superior que está implicada em
todas as dimensões que enquadram a sua missão.
2 - Tem-se apontado, inúmeras vezes, para a
necessidade de o IPB dialogar e trabalhar mais com as empresas da região. No
seu entendimento, essa relação entre as empresas e o universo do conhecimento
está de boa saúde, ou é claramente uma relação que precisa ser mais
aprofundada?
A ligação
efetiva à comunidade envolvente deverá ser traduzida através da resposta a
necessidades e objetivos específicos da região, do setor empresarial, social e
cultural. Deste modo, o papel do IPBeja sairá valorizado e reconhecido e daí
poderão resultar propostas de eventuais novas ofertas formativas, reforço de
parcerias para o conhecimento e novos projetos de I&D baseados na prática.
Urge reforçar a visibilidade das atividades, projetos, prestações de serviço e
investigação que são realizados por muitas estruturas do IPBeja com e para as
entidades regionais.
O IPBeja
tem desenvolvido um esforço no sentido de institucionalizar o trabalho em rede
e as parcerias regionais, nacionais e internacionais. Importa neste âmbito
destacar a aproximação às escolas de ensino secundário e profissional, às
autarquias, às organizações de produtores e associações setoriais, às
incubadoras, empresas e associações de desenvolvimento local.
As
relações entre as entidades regionais podem e devem ser sempre melhoradas e
aprofundadas. Procuraremos manter com a comunidade envolvente um relacionamento
descomplexado, no sentido de criar pontes e encontrar soluções para problemas
comuns. No planeamento a médio / longo prazo não poderemos deixar de ter em
conta algumas realidades como sejam o contexto demográfico e socioeconómico, a
profunda alteração introduzida pelo regadio e a importância da agricultura no
Alentejo, a crescente procura turística e a enorme carência nacional e
internacional, por exemplo, ao nível das profissões associadas às tecnologias
de informação e comunicação.
É meu, nosso, objetivo contribuir para ter um
IPBeja com a região e um IPBeja para além da região!
3 – Existem já bons exemplos dessa cooperação entre
o IPB e as empresas locais?
Existem inúmeros exemplos e casos de sucesso da
cooperação entre o IPBeja e as empresas e instituições regionais, por exemplo,
ao nível da prestação de serviços, participação conjunta em projetos,
consultoria, estágios, utilização de equipamentos e laboratórios, entre outros.
Esta colaboração assenta em diversos domínios do conhecimento, no âmbito das
áreas técnicas e científicas que o IPBeja apresenta. Correria o risco de ser
excessivamente exaustivo ao listar todos os bons exemplos ao nível desta
cooperação e, ao mesmo tempo, de poder deixar alguns de fora.
4 – Vivemos numa região predominantemente agrícola,
sendo que este é um setor que vive um período de grande dinamismo no nosso
distrito. Esse "novo" interesse pela "terra" teve impacto
no número de estudantes que ingressam nas licenciaturas da Escola Superior
Agrária de Beja?
Não terá tido ainda o impacto que todos desejamos e
que pretendemos atingir, mas queremos potenciar esta atenção sentida no setor
agrícola para conseguirmos um novo impulso na captação de estudantes e na
oferta formativa nesta área. O posicionamento geográfico do IPBeja no contexto
nacional implica, necessariamente, um investimento e atuação permanentes nos
setores agrícola e agro-alimentar. O
IPBeja apresenta nestas áreas excelentes resultados, com parcerias consistentes
e de elevado nível técnico e científico. A Escola Superior Agrária, o Centro de
Exploração Agrícola, o Centro de Experimentação Agrícola e o Centro Hortofrutícola,
do IPBeja, realizam prestações de serviços, instalação e colheita de ensaios de campo e
consultoria agrícola, de grande valia e reconhecimento pelas associações
e agricultores da região.
5 – Considera adequada a actual oferta formativa da
ESA, à realidade da região, onde as alterações das características das
explorações agrícolas, provenientes da grande diversificação de culturas
“trazidas” pela implementação do projecto Alqueva, são cada vez mais exigentes?
Os cursos lecionados
no IPBeja gozam, na sua maioria, de reconhecimento e notoriedade junto das
entidades empregadoras. Existe o cuidado de atualização dos planos de estudo,
ajustando-os à natural evolução social, tecnológica e científica vivida na
sociedade. A acreditação da A3ES confere-lhes a marca de qualidade e é um
garante para qualquer candidato na hora de escolher o curso e a respetiva
instituição de ensino superior.
Também neste domínio teremos
de alcançar o equilíbrio entre a evolução do mercado e das necessidades que
vamos vivendo e sentindo “lá fora”, com os exigentes percursos de qualificação
e especialização dos nossos técnicos, docentes e investigadores. A alteração da
oferta formativa nem sempre é possível de forma tão rápida quanto seria
desejável. São exigentes as condições e requisitos definidos pela A3ES - Agência
de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior para a autorização de
funcionamento de novos cursos. Não significa isto que não devamos estar atentos
e procurar ir ao encontro das novas realidades, mas sempre com a garantia de
qualidade nos procedimentos.
O IPBeja tem, em todas as
suas escolas e departamentos, uma oferta formativa estabilizada, uma grande capacidade
de investigação em várias áreas científicas e um corpo docente qualificado. Disponibiliza, atualmente, 17 CTeSPs, 14
Licenciaturas e 13 Mestrados. Procura-se que a oferta formativa seja construída
de forma a permitir aos estudantes o prosseguimento dos estudos, o que acontece
na maioria das áreas de formação. Assim, a partir de um CTeSP será possível
ingressar numa licenciatura e, posteriormente, frequentar um mestrado na área.
Naturalmente que queremos sempre fazer mais
e melhor e por isso o reforço nas atividades de investigação e desenvolvimento
é um dos eixos da estratégia do IPBeja para os próximos anos.
6 - Um trabalho já muito elogiado é aquele que se
desenvolve através do CEBAL - Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar
do Alentejo. Aqui, a transferência de conhecimento para o sector privado parece
acontecer a um ritmo interessante. Pode falar-nos dessa relação do CEBAL com as
empresas e com os agricultores?
Apesar de estar localizado nas instalações do
IPBeja, o CEBAL é uma unidade autónoma, de investigação e
desenvolvimento privada, sem fins lucrativos. Conforme pode ser consultado no
resptivo site, “desenvolve relevante atividade na identificação e o desenvolvimento
de novas oportunidades que possam ser aplicáveis à região nomeadamente nas
áreas da produção vegetal, na produção animal, no processamento e melhoria dos
produtos agrícolas e alimentares, na implementação de processos que permitam a
obtenção de valor acrescentado a partir de sub-produtos e resíduos e na
pesquisa de formas de valorização de matérias-primas tradicionais”.
O IPBeja participa na Direção do CEBAL,
disponibiliza condições de funcionamento e mantém cooperação científica através
da participação em projetos e atividades de investigação comuns.
7 - Na sua tomada de posse declarou que uma das
prioridades desta nova Direcção passa pelo aumento significativo do número de
estudantes que frequentam os cursos oferecidos pelas diversas escolas do IPB. Está
neste momento a decorrer uma primeira experiência de ensino no sector
aeronáutico, através do Curso Inicial de Tripulantes de Cabine. Pode
explicar-nos exactamente como nasceu esta ideia de cooperação entre o IPB e a G
Air Training?
A
exploração do cluster da aeronáutica foi um dos propósitos que apresentei
quando da minha candidatura à presidência do IPBeja. Por outro lado, a
proximidade de uma infraestrutura como o Aeroporto de Beja é motivo suficiente
para que não possamos ficar alheios à possibilidade de também darmos, por via
da nossa missão e no respeito das formações e especializações do nosso atual
capital humano, um contributo para a sua exploração. Foi por isso que
procurámos esta parceria com a GAir. Não sendo fácil contabilizar o número e os
principais indicadores económicos das empresas em Portugal que desenvolvem
atividade em torno do setor da aeronáutica, ninguém tem dúvidas da importância
que esta indústria assume nas regiões em que se instala.
8 - Qual foi a recepção do público a esta nova
oferta formativa?
Foi boa, a formação realizou-se conforme previsto e
com um elevado número de formandos. O
curso de Pessoal Navegante de Cabina resultou da parceria IPBeja / GAir
Training / Orbest, a parte teórica
teve lugar no IPBeja e a componente prática nos Açores. Contou com estudantes
do IPBeja, de outros pontos do País e até do estrangeiro. Existe a
possibilidade de dentro de pouco tempo realizarmos uma nova edição deste curso.
Trata-se de um curso breve sem atribuição de grau académico.
9 - Acredita que a aposta formativa no sector
aeronáutico não vai ficar por esta experiência? Que outras formações/cursos
poderão vir a ser ministrados a curto/médio prazo?
Queremos
fortalecer a ligação com as empresas aeronáuticas e caminhar no sentido de
responder às necessidades de emprego qualificado. Apostamos na qualificação dos
nossos estudantes para o emprego em setores de grande procura, aproveitando a
existência e proximidade ao Aeroporto de Beja e à cidade de Évora onde estão
instaladas algumas importantes empresas ligadas ao setor. Estamos interessados
e disponíveis em aprofundar ofertas formativas, em parceria com o IPSetúbal,
IPPortalegre, IPCastelo Branco e instituições europeias.
Temos
consciência de que estamos a falar de um setor muito exigente, tanto a nível
tecnológico como a nível de qualificação empresarial e pessoal. A necessidade
de tecnologia avançada, de infraestruturas adequadas e de mão-de-obra altamente
qualificada, são requisitos fundamentais para alcançar sucesso e reconhecimento
internacional nesta área.
Neste
contexto, o IPBeja assume as suas limitações, mas também as suas
potencialidades e responsabilidades, estando por isso interessado e disponível
para, em conjunto e aproveitando as sinergias existentes, contribuir para o
aproveitamento e desenvolvimento desta importante infra-estrutura que poderá
potenciar um cluster regional, com impacto nacional e internacional.
Importa não só consolidar o reconhecimento e
afirmação das áreas lecionadas no IPBeja, mas também abrir espaço para
equacionar a oportunidade de expandir a oferta formativa a novas áreas, como
por exemplo, o setor da aeronáutica já referido, o setor mineiro, a agricultura
de precisão, entre outras.
10 – Considera que o desenvolvimento da região
poderá passar por uma conjugação de investimentos privados em áreas
específicas, embora o investimento público seja essencial para criar condições
de fixação de populações e bons profissionais?
Sem dúvida. A criação de emprego é fundamental para
a fixação de pessoas no nosso território. A diminuição da população
apresenta-se como uma dos principais desafios que teremos, conjuntamente, de
ultrapassar. Neste sentido, a combinação do investimento privado e do
investimento público torna-se imprescindível. Importará não recorrermos a discursos
e posições derrotistas, mas antes assumirmos as nossas capacidades e
reclamarmos por ações que nos ajudem a potenciar as boas condições que temos.
Só para dar um exemplo flagrante que todos conhecemos e sentimos, é urgente
conseguirmos o investimento necessário na ferrovia entre Beja e Casa Branca que
nos proporcione uma ligação rápida, segura e fiável a Lisboa.
Lembro que a decisão sobre a localização dos
institutos superiores politécnicos em Portugal assentou numa lógica de
“compromisso territorial” que permitisse cobrir também as regiões do interior
de baixa densidade populacional.
11 – Supondo que era abordado por uma grande
empresa que pretende fixar-se na região, quais seriam os pontos chave que iria
referir para convencer esses investidores de que Beja vale a pena?
Novos e elevados
investimentos na fileira das agro-indústrias.
Expansão do regadio a
grandes zonas do Alentejo.
Consolidação de
muitas empresas agrícolas.
Novas acessibilidades
e infra-estruturas disponíveis.
Crescimento do
turismo.
Existência de boas condições “para se viver” na
cidade de Beja.
Cidade segura que oferece boas infra-estruturas
sociais, culturais e desportivas e uma boa qualidade ambiental e do clima.
Existência de recursos humanos qualificados,
materiais e equipamentos disponíveis, que podem apoiar a instalação de novos
negócios.
Existência do Aeroporto de Beja.
Bom posicionamento no eixo Lisboa – Algarve –
Espanha.
Cidade com potencialidade para crescer.
Possibilidade de candidatura a fundos estruturais.
Entrevista publicada na Revista Hall Paxis - Imobinvest 2018 - "Alentejo, Um Território Para Investir"