sexta-feira, 6 de março de 2020

Entrevista a João Paulo Trindade


João Paulo Trindade é o Presidente do Instituto Politécnico de Beja. Nos escassos meses de mandato, marcou já a diferença na dinâmica que tem imprimido ao Instituto.
Pessoa profundamente enraizada no Alentejo e com uma visão abrangente e de futuro, é hoje nosso convidado para falar acerca da sua perspectiva sobre o desenvolvimento da região, assim como da interacção entre o IPB e a comunidade empresarial.

1 - Na sua opinião, qual é o papel que o Instituto Politécnico de Beja deve assumir dentro de uma estratégia de desenvolvimento regional do Alentejo e do distrito de Beja, em particular?

Todos tiraremos proveito de um IPBeja forte, participativo, interventivo, solidário e consciente do seu posicionamento. Como? (i) Recorrendo às suas atuais competências e promovendo o seu crescimento e desenvolvimento no contexto do ensino superior nacional. (ii) Aperfeiçoando a sua notoriedade ao colocar em prática uma estratégia com ações de divulgação dos cursos e dos resultados dos projetos realizados, levando-os ao conhecimento da comunidade, fortalecendo a imagem e capacidade de comunicação. (iii) Proporcionando condições mais adequadas à realidade atual do ensino superior politécnico que permitam o desenvolvimento de atividades de investigação, marcadas pela inovação e pelo empreendedorismo, preferencialmente em colaboração com outras instituições de ensino superior e com a comunidade exterior. (iv) Otimizando a capacidade de captação de novos alunos, nacionais e internacionais, assim como a resposta às solicitações da sociedade em geral. O IPBeja tem previsto no plano estratégico para 2018 um conjunto de ações em estreita ligação com os municípios, entidades e empresas da região que contribuirão no terreno para essa estratégia de desenvolvimento regional. Temos presentes políticas orientadas para a internacionalização, para a investigação aplicada, para as questões sociais, para os estudantes e para as nossas ofertas formativas. O IPBeja é uma instituição de ensino superior que está implicada em todas as dimensões que enquadram a sua missão.

2 - Tem-se apontado, inúmeras vezes, para a necessidade de o IPB dialogar e trabalhar mais com as empresas da região. No seu entendimento, essa relação entre as empresas e o universo do conhecimento está de boa saúde, ou é claramente uma relação que precisa ser mais aprofundada?

A ligação efetiva à comunidade envolvente deverá ser traduzida através da resposta a necessidades e objetivos específicos da região, do setor empresarial, social e cultural. Deste modo, o papel do IPBeja sairá valorizado e reconhecido e daí poderão resultar propostas de eventuais novas ofertas formativas, reforço de parcerias para o conhecimento e novos projetos de I&D baseados na prática. Urge reforçar a visibilidade das atividades, projetos, prestações de serviço e investigação que são realizados por muitas estruturas do IPBeja com e para as entidades regionais.
O IPBeja tem desenvolvido um esforço no sentido de institucionalizar o trabalho em rede e as parcerias regionais, nacionais e internacionais. Importa neste âmbito destacar a aproximação às escolas de ensino secundário e profissional, às autarquias, às organizações de produtores e associações setoriais, às incubadoras, empresas e associações de desenvolvimento local.
As relações entre as entidades regionais podem e devem ser sempre melhoradas e aprofundadas. Procuraremos manter com a comunidade envolvente um relacionamento descomplexado, no sentido de criar pontes e encontrar soluções para problemas comuns. No planeamento a médio / longo prazo não poderemos deixar de ter em conta algumas realidades como sejam o contexto demográfico e socioeconómico, a profunda alteração introduzida pelo regadio e a importância da agricultura no Alentejo, a crescente procura turística e a enorme carência nacional e internacional, por exemplo, ao nível das profissões associadas às tecnologias de informação e comunicação.
É meu, nosso, objetivo contribuir para ter um IPBeja com a região e um IPBeja para além da região!

3 – Existem já bons exemplos dessa cooperação entre o IPB e as empresas locais?
Existem inúmeros exemplos e casos de sucesso da cooperação entre o IPBeja e as empresas e instituições regionais, por exemplo, ao nível da prestação de serviços, participação conjunta em projetos, consultoria, estágios, utilização de equipamentos e laboratórios, entre outros. Esta colaboração assenta em diversos domínios do conhecimento, no âmbito das áreas técnicas e científicas que o IPBeja apresenta. Correria o risco de ser excessivamente exaustivo ao listar todos os bons exemplos ao nível desta cooperação e, ao mesmo tempo, de poder deixar alguns de fora.

4 – Vivemos numa região predominantemente agrícola, sendo que este é um setor que vive um período de grande dinamismo no nosso distrito. Esse "novo" interesse pela "terra" teve impacto no número de estudantes que ingressam nas licenciaturas da Escola Superior Agrária de Beja?

Não terá tido ainda o impacto que todos desejamos e que pretendemos atingir, mas queremos potenciar esta atenção sentida no setor agrícola para conseguirmos um novo impulso na captação de estudantes e na oferta formativa nesta área. O posicionamento geográfico do IPBeja no contexto nacional implica, necessariamente, um investimento e atuação permanentes nos setores agrícola e agro-alimentar. O IPBeja apresenta nestas áreas excelentes resultados, com parcerias consistentes e de elevado nível técnico e científico. A Escola Superior Agrária, o Centro de Exploração Agrícola, o Centro de Experimentação Agrícola e o Centro Hortofrutícola, do IPBeja, realizam prestações de serviços, instalação e colheita de ensaios de campo e consultoria agrícola, de grande valia e reconhecimento pelas associações e agricultores da região.

5 – Considera adequada a actual oferta formativa da ESA, à realidade da região, onde as alterações das características das explorações agrícolas, provenientes da grande diversificação de culturas “trazidas” pela implementação do projecto Alqueva, são cada vez mais exigentes?

Os cursos lecionados no IPBeja gozam, na sua maioria, de reconhecimento e notoriedade junto das entidades empregadoras. Existe o cuidado de atualização dos planos de estudo, ajustando-os à natural evolução social, tecnológica e científica vivida na sociedade. A acreditação da A3ES confere-lhes a marca de qualidade e é um garante para qualquer candidato na hora de escolher o curso e a respetiva instituição de ensino superior.
Também neste domínio teremos de alcançar o equilíbrio entre a evolução do mercado e das necessidades que vamos vivendo e sentindo “lá fora”, com os exigentes percursos de qualificação e especialização dos nossos técnicos, docentes e investigadores. A alteração da oferta formativa nem sempre é possível de forma tão rápida quanto seria desejável. São exigentes as condições e requisitos definidos pela A3ES - Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior para a autorização de funcionamento de novos cursos. Não significa isto que não devamos estar atentos e procurar ir ao encontro das novas realidades, mas sempre com a garantia de qualidade nos procedimentos.
O IPBeja tem, em todas as suas escolas e departamentos, uma oferta formativa estabilizada, uma grande capacidade de investigação em várias áreas científicas e um corpo docente qualificado. Disponibiliza, atualmente, 17 CTeSPs, 14 Licenciaturas e 13 Mestrados. Procura-se que a oferta formativa seja construída de forma a permitir aos estudantes o prosseguimento dos estudos, o que acontece na maioria das áreas de formação. Assim, a partir de um CTeSP será possível ingressar numa licenciatura e, posteriormente, frequentar um mestrado na área.
Naturalmente que queremos sempre fazer mais e melhor e por isso o reforço nas atividades de investigação e desenvolvimento é um dos eixos da estratégia do IPBeja para os próximos anos.

6 - Um trabalho já muito elogiado é aquele que se desenvolve através do CEBAL - Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo. Aqui, a transferência de conhecimento para o sector privado parece acontecer a um ritmo interessante. Pode falar-nos dessa relação do CEBAL com as empresas e com os agricultores?

Apesar de estar localizado nas instalações do IPBeja, o CEBAL é uma unidade autónoma, de investigação e desenvolvimento privada, sem fins lucrativos. Conforme pode ser consultado no resptivo site, “desenvolve relevante atividade na identificação e o desenvolvimento de novas oportunidades que possam ser aplicáveis à região nomeadamente nas áreas da produção vegetal, na produção animal, no processamento e melhoria dos produtos agrícolas e alimentares, na implementação de processos que permitam a obtenção de valor acrescentado a partir de sub-produtos e resíduos e na pesquisa de formas de valorização de matérias-primas tradicionais”.
O IPBeja participa na Direção do CEBAL, disponibiliza condições de funcionamento e mantém cooperação científica através da participação em projetos e atividades de investigação comuns.

7 - Na sua tomada de posse declarou que uma das prioridades desta nova Direcção passa pelo aumento significativo do número de estudantes que frequentam os cursos oferecidos pelas diversas escolas do IPB. Está neste momento a decorrer uma primeira experiência de ensino no sector aeronáutico, através do Curso Inicial de Tripulantes de Cabine. Pode explicar-nos exactamente como nasceu esta ideia de cooperação entre o IPB e a G Air Training?

A exploração do cluster da aeronáutica foi um dos propósitos que apresentei quando da minha candidatura à presidência do IPBeja. Por outro lado, a proximidade de uma infraestrutura como o Aeroporto de Beja é motivo suficiente para que não possamos ficar alheios à possibilidade de também darmos, por via da nossa missão e no respeito das formações e especializações do nosso atual capital humano, um contributo para a sua exploração. Foi por isso que procurámos esta parceria com a GAir. Não sendo fácil contabilizar o número e os principais indicadores económicos das empresas em Portugal que desenvolvem atividade em torno do setor da aeronáutica, ninguém tem dúvidas da importância que esta indústria assume nas regiões em que se instala.

8 - Qual foi a recepção do público a esta nova oferta formativa?

Foi boa, a formação realizou-se conforme previsto e com um elevado número de formandos. O curso de Pessoal Navegante de Cabina resultou da parceria IPBeja / GAir Training / Orbest, a parte teórica teve lugar no IPBeja e a componente prática nos Açores. Contou com estudantes do IPBeja, de outros pontos do País e até do estrangeiro. Existe a possibilidade de dentro de pouco tempo realizarmos uma nova edição deste curso. Trata-se de um curso breve sem atribuição de grau académico.

9 - Acredita que a aposta formativa no sector aeronáutico não vai ficar por esta experiência? Que outras formações/cursos poderão vir a ser ministrados a curto/médio prazo?

Queremos fortalecer a ligação com as empresas aeronáuticas e caminhar no sentido de responder às necessidades de emprego qualificado. Apostamos na qualificação dos nossos estudantes para o emprego em setores de grande procura, aproveitando a existência e proximidade ao Aeroporto de Beja e à cidade de Évora onde estão instaladas algumas importantes empresas ligadas ao setor. Estamos interessados e disponíveis em aprofundar ofertas formativas, em parceria com o IPSetúbal, IPPortalegre, IPCastelo Branco e instituições europeias.
Temos consciência de que estamos a falar de um setor muito exigente, tanto a nível tecnológico como a nível de qualificação empresarial e pessoal. A necessidade de tecnologia avançada, de infraestruturas adequadas e de mão-de-obra altamente qualificada, são requisitos fundamentais para alcançar sucesso e reconhecimento internacional nesta área.
Neste contexto, o IPBeja assume as suas limitações, mas também as suas potencialidades e responsabilidades, estando por isso interessado e disponível para, em conjunto e aproveitando as sinergias existentes, contribuir para o aproveitamento e desenvolvimento desta importante infra-estrutura que poderá potenciar um cluster regional, com impacto nacional e internacional.
Importa não só consolidar o reconhecimento e afirmação das áreas lecionadas no IPBeja, mas também abrir espaço para equacionar a oportunidade de expandir a oferta formativa a novas áreas, como por exemplo, o setor da aeronáutica já referido, o setor mineiro, a agricultura de precisão, entre outras.

10 – Considera que o desenvolvimento da região poderá passar por uma conjugação de investimentos privados em áreas específicas, embora o investimento público seja essencial para criar condições de fixação de populações e bons profissionais?

Sem dúvida. A criação de emprego é fundamental para a fixação de pessoas no nosso território. A diminuição da população apresenta-se como uma dos principais desafios que teremos, conjuntamente, de ultrapassar. Neste sentido, a combinação do investimento privado e do investimento público torna-se imprescindível. Importará não recorrermos a discursos e posições derrotistas, mas antes assumirmos as nossas capacidades e reclamarmos por ações que nos ajudem a potenciar as boas condições que temos. Só para dar um exemplo flagrante que todos conhecemos e sentimos, é urgente conseguirmos o investimento necessário na ferrovia entre Beja e Casa Branca que nos proporcione uma ligação rápida, segura e fiável a Lisboa.
Lembro que a decisão sobre a localização dos institutos superiores politécnicos em Portugal assentou numa lógica de “compromisso territorial” que permitisse cobrir também as regiões do interior de baixa densidade populacional.

11 – Supondo que era abordado por uma grande empresa que pretende fixar-se na região, quais seriam os pontos chave que iria referir para convencer esses investidores de que Beja vale a pena?

Novos e elevados investimentos na fileira das agro-indústrias.
Expansão do regadio a grandes zonas do Alentejo.
Consolidação de muitas empresas agrícolas.
Novas acessibilidades e infra-estruturas disponíveis.
Crescimento do turismo.
Existência de boas condições “para se viver” na cidade de Beja.
Cidade segura que oferece boas infra-estruturas sociais, culturais e desportivas e uma boa qualidade ambiental e do clima.
Existência de recursos humanos qualificados, materiais e equipamentos disponíveis, que podem apoiar a instalação de novos negócios.
Existência do Aeroporto de Beja.
Bom posicionamento no eixo Lisboa – Algarve – Espanha.
Cidade com potencialidade para crescer.
Possibilidade de candidatura a fundos estruturais.


Entrevista publicada na Revista Hall Paxis - Imobinvest 2018 - "Alentejo, Um Território Para Investir"

Algumas Linhas sobre Comércio Local

O comércio local é, ou deveria ser, uma das principais fontes de emprego e de desenvolvimento socioeconómico dos municípios (principalmente dos mais pequenos), capaz de gerar receitas municipais que permitam um melhor e maior investimento em áreas distintas.
Promover o consumo na própria região, assim como dos produtos que nela têm origem, significa um investimento gerador de valorização daquilo que é nosso, dos nossos bens. Ao mesmo tempo, é uma aposta que se assume como plataforma impulsionadora para a riqueza regional e social, não só através das receitas geradas, mas sobretudo da capacidade de gerar postos de trabalho com salários certos, que possam proporcionar bem-estar e melhoraria da qualidade de vida a quem os aufere.
Priorizar o comércio local gera um ciclo de mais-valias, estimulando a circulação de dinheiro e alavancando a economia local, envolvendo simultaneamente os munícipes no crescimento estrutural da sua cidade, vila, aldeia ou região.

Actualmente, manter activo o comércio local requer bastantes sacrifícos, muita burocracia e uma determinada disponibilidade financeira para fazer face não só à tributação exigida, como aos investimentos inerentes à actividade. As rendas dos espaços são hoje um dos “Calcanhares de Aquiles”, senão mesmo a maior ameaça à continuidade do pequeno comércio, a par da concorrência das grandes superfícies comerciais. É certo que nelas existem factores atractivos de ordens diversas, como sejam a diversidade de oferta, a facilidade de estacionamento e estratégias de marketing promocionais, que levam o consumidor a optar pelos grandes centros comerciais e supermercados, em detrimento do comércio de rua. Contudo, existem igualmente estratégias que, a serem desenvolvidas, podem potenciar a atractividade dos centros urbanos, contribuindo para o aumento do fluxo pedonal nas ruas onde o pequeno comércio se desenvolve. A disponibilidade de estacionamento é outra das questões que deverá ser tida em conta, assim como os incentivos ao empreendedorismo e a facilidade de acesso ao microcrédito.

Enquanto consumidores, também nós podemos contribuir para o desenvolvimento deste sector e para uma maior competitividade das empresas locais sendo exigentes. Um consumidor consciente sabe analisar todos os factores que influenciam o preço final de um determinado produto, podendo confrontá-lo com a realidade económica e serviço prestado. Ao procurar as melhores opções, o melhor preço/qualidade, sabendo ouvir sugestões e dando as suas, o consumidor incentiva as diferentes empresas locais a procurar as melhores soluções que visem um maior destaque no mercado, priorizando a qualidade e o serviço.
Como é do conhecimento geral, apesar da sua importância, o pequeno comércio é um sector extremamente sensível e dependente das políticas públicas, tendo sofrido bastante nos últimos anos, votado à sua própria sorte.

Mas vamos a números e ao propósito pelo qual decidi escrever este artigo. O número de lojas de rua fechadas na cidade de Beja é assustador, tendo contabilizado mais de 20 entre a Avenida Miguel Fernandes, a Rua do Vale, Portas de Mértola e envolventes. A maioria apresenta placas informativas de venda ou arrendamento, percebendo-se de imediato, assim que questionados os valores, o motivo pelo qual se mantêm e manterão encerradas. Rendas a ascender 600 euros, até ao máximo de 1000 euros, numa cidade onde a economia local esmorece, onde os apoios ao desenvolvimento do comércio são praticamente nulos, vítimas dos sucessivos anos de desinteresse político, desertificação, abandono da população e da mais recente crise económica. Se comparados estes valores com os valores de renda de um espaço comercial numa grande superfície do interior do país, a diferença não é de todo significativa, existindo espaços onde o valor do metro quadrado para arrendamento se situa entre os 5 e os 15 euros, significando 500 a 1500 euros/100 m2. (Como nota informativa, na região de Lisboa, excepção feita aos Retail Park, o valor do m2 nas maiores superfícies pode atingir máximos de 90 euros e mínimos de 40. Se no centrarmos na Avenida da Liberdade, umas das principais artérias e a mais cara no que respeita ao comércio de rua, facilmente encontramos valores médios na ordem dos 35 euros/m2 para arrendamento ).

É preciso inverter esta tendência e sermos nós, cidadãos locais, a contribuir para a mudança.
Queremos mais e melhor, é certo, mas também somos nós os primeiros a condenar o que de novo nasce e se tenta enraizar. Procuramos para lá das muralhas do nosso castelo, o que estando cá dentro já não é tão bom assim, lamentando-nos sobre a desertificação do nosso centro urbano, quando somos nós quem o vê definhar e deixa morrer.
Acima escrevi que “priorizar o comércio local gera um ciclo de mais-valias, estimulando a circulação de dinheiro e alavancando a economia local, envolvendo simultaneamente os munícipes no crescimento estrutural da sua cidade, vila, aldeia ou região”. E é disto que Beja precisa. Da envolvência e luta dos seus cidadãos, neste e noutros aspectos essenciais à sua manutenção e crescimento.
Rita Palma Nascimento



quarta-feira, 4 de março de 2020

Porque é importante prevenir o branqueamento de capitais no imobiliário?


Na área imobiliária a formação em prevenção do branqueamento de capitais é, para além de obrigatória, bastante útil para o dia-a-dia de um mediador.
Para um profissional do setor imobiliário, ter formação em prevenção do branqueamento de capitais é saber identificar riscos e situações que podem colocar em causa a sua carreira e reputação.
Sabe como identificar uma potencial situação em que a venda de um imóvel possa ser uma forma de branquear capitais, ou seja, de usar, para fins legais, dinheiro que foi obtido ilicitamente?
Sabia que, ao permitir esta prática, estará a arriscar a sua carreira e a reputação da sua empresa?
A formação em Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo no âmbito da Mediação Imobiliária é, além de obrigatória, bastante útil para os profissionais de um setor que, por envolver transações de montantes elevados, é mais permeável a situações que podem configurar um crime.
Ricardo Matos Fernandes, advogado e formador nesta área, explica que a mediação imobiliária está enquadrada numa das atividades que a Lei 83/2017 considera ser de risco para a prática deste tipo de ilícito. Na verdade, esta lei é a transposição parcial de diretivas comunitárias e vai ao encontro da legislação internacional nessa matéria. Muitas dessas leis, por seu lado, têm como base recomendações do Grupo de Ação Financeira (GAFI), composto por 35 países e duas entidades.
Esta instituição, após décadas de estudo e investigação nesta área, estabeleceu padrões internacionais contra o branqueamento de capitais, que procuram reforçar as obrigações em situações de risco mais elevado.
Em Portugal, como noutros países, a mediação imobiliária surge como uma área que requer cuidados especiais.
O sector imobiliário e a formação em prevenção de branqueamento de capitais
“Se pensarmos naquilo que é a transmissão de um imóvel, a intervenção organizacional começa justamente com o mediador imobiliário”, sublinha Ricardo Matos Fernandes, lembrando que o processo – bem como as obrigações decorrentes da lei – se estendem também a advogados, notários, solicitadores e conservadores.
“Portanto, faz todo o sentido que quem opera no dia-a-dia nas transmissões de imóveis tenha formação e conhecimento sobre quais os deveres que tem de cumprir com vista a evitar ver-se envolvido num processo de branqueamento de capitais”, explica.
Os conhecimentos adquiridos nesta formação farão com que, no seu dia-a-dia, os mediadores imobiliários possam estar mais preparados para “ponderar e adotar comportamentos em função do risco”.
E esse risco implica, por exemplo, permitir, mesmo sem querer, que dinheiro proveniente da corrupção ou de outras atividades ilícitas seja utilizado na aquisição de imóveis. Um risco que, na opinião de Ricardo Matos Fernandes, é maior em empresas imobiliárias de menor dimensão e situadas fora dos grandes centros urbanos.
“Estas mediadoras são, provavelmente, as que estão neste momento menos preparadas para que alguém, sabendo que existe aquela imobiliária que não tem as suas políticas de prevenção de branqueamento de capitais operacionalizadas, pense que é o melhor local para se iniciar um processo de branqueamento”, justifica.
Por outro lado, as empresas de mediação imobiliária que têm muitos clientes internacionais têm, igualmente, um risco acrescido de se verem, ainda que inadvertidamente, envolvidas neste tipo de processos.
Deveres de informação
Através da formação, é possível perceber quais as situações que podem indiciar a prática de branqueamento de capitais usando, para o efeito, uma transação imobiliária.
“Os deveres que constam da lei são deveres que visam, desde logo, a própria adoção de uma política de atos que previnam de alguma forma o branqueamento de capitais”, explica o formador.
E que atos são estes? “Vão desde a identificação dos clientes e de atuar em função do cliente que temos à frente. Por exemplo, ele é originário de um país de alto risco em termos de branqueamento de capitais? Ou não?”.
Depois de feita essa avaliação de risco, e de outros procedimentos e processos com ela relacionados, e de se concluir que existe uma operação suspeita, é necessário seguir protocolos que passam, por exemplo, pela comunicação com entidades como o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) ou Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária.
Ricardo Matos Fernandes reconhece que, “para as pessoas que não estão habitualmente envolvidas neste tipo de complexidade de processos, chamá-los a intervir é uma grande alteração no seu dia-a-dia” e que nem sempre as empresas, pela sua dimensão, estão aptas a lidar com estes procedimentos complexos.
Por outro lado, “é compreensível que exista alguma resistência quando se introduz esta pedra na engrenagem para quem está mais focado na área comercial e em encontrar bons clientes para os bons imóveis que conseguiu angariar”, reconhece.
No entanto, e enquanto formador e advogado, entende que é sua missão a sensibilização para adequar os comportamentos aos fatores de risco relacionados com potencial branqueamento de capitais.
Os riscos
Em Portugal, a criminalização do branqueamento de capitais começou nos anos 90, com a chamada Lei da Droga. Hoje em dia, “o conjunto de crimes que dão lugar a dinheiro ilícito e que é considerado branqueamento de capitais é muito mais vasto”.
Para além da corrupção, tráfico de seres humanos ou lenocínio, o branqueamento de capitais pode ter origem em situações que, embora ilegais, já se banalizaram, como vender o imóvel por um preço diferente do que foi declarado.

“É uma prática que, reconhecidamente, ainda está incrementada em muitos negócios. Temos que sensibilizar as pessoas que isso é um crime e que não é só fugir aos impostos. É também um crime de fraude fiscal e que o dinheiro proveniente desse negócio e a sua integração na atividade económica constituem um crime de branqueamento de capitais”, revela.
Multas e penas
E, como sempre, o crime não compensa: “A listagem de comportamentos que constituem contraordenações é muito grande. As sanções que estão previstas para pessoas coletivas vão de 5.000 euros até um milhão de euros e para pessoas singulares de 2.500 euros até um milhão de euros. Portanto, estamos a falar de uma penalização, seja qual for o comportamento”.
E se as multas podem ser dissuasoras, sobretudo para empresas de menor dimensão, as sanções acessórias são igualmente gravosas, podendo levar à interdição da atividade.
“A prática dos crimes de corrupção ativa ou passiva ou o branqueamento de capitais são fatores que podem determinar a perda da idoneidade, desde que tenham sido praticados nos últimos cinco anos contados a partir do trânsito da sentença”, lembra Ricardo Matos Fernandes.
A formação em prevenção do branqueamento de capitais é, no fundo, um alerta “para a necessidade de alterar um conjunto de condutas dentro de cada organização, de cada mediadora imobiliária”.
A ideia não é, de todo, desconfiar de todos os clientes e procurar, em cada negócio, uma atitude suspeita, mas sim “adequar os procedimentos das mediadoras em função dos fatores de risco de branqueamento de capitais e levar o branqueamento de capitais a sério”.
Além das sanções financeiras e criminais, pactuar com o branqueamento de capitais tem, também implicações morais e ao nível da reputação da empresa.
“É óbvio que – e falando na área da mediação imobiliária e no ramo imobiliário – o objetivo primeiro é fazer negócio. As pessoas têm que ganhar a vida. Porém, o ganhar a vida tem que ser sustentável e isso implica que não tenha uma participação numa atividade criminosa. E não podemos esquecer que, quando facilitamos uma atividade criminosa, estamos a ser coniventes com ela e o grau de conivência pode levar inclusive à prática do próprio crime”, revela.
No fundo, combater a utilização de dinheiro ilícito é uma forma de desincentivar a atividade criminosa: “O propósito é sempre este: manter o branqueador sentado sobre o dinheiro que obteve ilicitamente sem poder fazer nada com ele. Esse é o propósito da lei de branqueamento de capitais”, sintetiza.
Em que consiste a formação em Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais
A formação em Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais tem a duração de 10 horas e permite que os profissionais deste setor possam, não só conhecer a legislação referente à Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo no âmbito da Mediação Imobiliária, como os procedimentos a adotar.
Saber o que fazer para detetar eventuais situações de risco e perceber quais são as declarações obrigatórias, prazos, fiscalização e coimas são conhecimentos essenciais para quem trabalha nesta área.

Formação obrigatória
Segundo o artigo 11º do Regulamento 276/2019 do IMPIC, os dirigentes e colaboradores das empresas imobiliárias que exerçam funções relevantes devem obrigatoriamente frequentar formação nesta área.


Conteúdo inserido na Notícia da Centralimo de 04-03-2020, gentilmente cedida por Paulo Fernandes.

domingo, 1 de março de 2020

Entrevista a Márcio Guerra


Márcio Guerra é um nome que imediatamente relacionamos com empreendedorismo social, inovação e pensamento "fora da caixa".  Profundamente comprometido com causas sociais, é acérrimo defensor dos direitos humanos, e a maior parte da sua actividade tem como base as pessoas e suas condições de vida. Uma entrevista que nos faz pensar e reflectir, e que de alguma forma, inspira algo daquilo que é a obrigação social de todos e cada um de nós, enquanto cidadãos e enquanto empreendedores. Para Márcio Guerra, o Baixo Alentejo também vale a pena! Obrigado por esta conversa tão interessante!


1 - Criar e maximizar valor social é o principal objectivo do empreendedorismo social. Atendendo à realidade da nossa região, que transformações urgentes e prioritárias considera serem passíveis de implementação, numa óptica de interação e simbiose com outras vertentes do empreendedorismo (corporativo e start-ups), no sentido do desenvolvimento sustentável?
Partindo do conceito de que o empreendedor social redesenha relações entre comunidade, governo e setor privado, com base no modelo de parcerias e que o resultado final desejado é sempre a promoção da qualidade de vida social, cultural, económica e ambiental sob a ótica da sustentabilidade dos territórios, eu diria que o empreendedor social pode desempenhar um papel fundamental na criação de um ecossistema com preocupações sociais através da sua relação com empreendedores corporativos e empreendedores de “start – ups” sensibilizando-os para modelos de negócio sustentáveis, amigos do ambiente e do “homem”.
As relações entre comunidade, governo e setor privado não significa que haja uma retirada do estado no que à economia e definição de políticas públicas diz respeito, ou seja a fragilidade das respostas públicas até pode fazer com que a sociedade civil se organize e crie associações com respostas inovadoras, mas a verdade é que deve ser o estado (governo e autarquias) a garantir determinados serviços e investimentos públicos fundamentais para o desenvolvimento das regiões e do país, procurando estimular um espirito empreendedor em que a lógica de parceria múltipla, possa fomentar uma maior participação de empresas privadas, como forma mais reprodutiva de utilizar recursos.
Aliás o pensamento de que menos estado, nos leva a melhor estado e a abordagem da inovação social que aparece sempre em períodos de pós-crise social restringindo-se à procura de respostas para questões sociais novas quando na realidade se vive uma harmonização social no retrocesso e se transporta o conceito de inovação social para noções de subsistência deve-nos alertar para este perigo. O que acontece com a destruição do Estado Social é que se despojam as pessoas dos seus direitos de cidadania num quadro em que são colocadas em situações de carência extrema, e assim a inovação não pode ser senão uma inovação regressiva, construída a partir de bases sociais de desigualdade, injustiça e exclusão. Quando se permite que a sociedade "propositadamente empobreça” e depois se arranja maneira de colmatar essas carências, estão-se a matar as verdadeiras condições para inovar, porque a inovação social que é precisa é a inerente à cidadania social, é a das pessoas portadoras de direitos e responsabilidades e que sejam estimuladas a libertar o seu espirito criativo e empreendedor.
Assim o que é necessário para que haja verdadeiramente inovação e ocorram as transformações na nossa região é a de que esta relação e trabalho em rede resulte em parcerias entre o sector público e privado de forma a ultrapassar em conjunto os vários desafios que temos na nossa região em virtude de um crescimento que nos vai mostrando que, se não se colocar a pessoa no centro da intervenção ao invés da economia, vão surgir desigualdades sociais.
Sabemos que, em muitas situações, há efetiva necessidade de aumentar a produção, de crescer; mas não é qualquer crescimento, nem o crescimento em qualquer parte, ou a qualquer preço, que gera desenvolvimento.
Assim e não descurando o importante impacto que Alqueva teve no Baixo Alentejo particularmente em termos económicos, contudo, o modelo associado ao desenvolvimento do projeto estimulou a concentração da propriedade; aumentou as preocupações ambientais e a destruição do património cultural. Não promoveu o povoamento, não reduziu o desemprego, sendo o trabalho feito com recurso a mão-de-obra barata de imigrantes, e algumas vezes ilegais (só em 2017 foram mais de 10.000 imigrantes nesta situação); e não dinamizou substancialmente as economias locais, a não ser alguma empresa de fornecimento de serviços e equipamentos de regadio.
Este modelo coloca em evidência uma exploração assente num crescimento económico (em que as opções orientam-se para um crescimento elevado do PIB per capita), gerando desigualdades sociais no território ao invés de um desenvolvimento sustentável da nossa região no plano humano, ambiental e social
Assim o que é verdadeiramente necessário é a inovação numa agricultura inclusiva diversificada, amiga do ambiente e do património arqueológico, em que o sector privado da agricultura assuma a sua parte na criação de um modelo económico verdadeiramente orientado para o desenvolvimento regional e para a coesão social e territorial. Que invista na responsabilidade social e através de parcerias públicas e privadas possam criar condições para combater a imigração ilegal e clandestina, apoiando na constituição de gabinetes de atendimento e acompanhamento ao imigrante que possam dar formação a estas pessoas na língua portuguesa, na nossa cultura, direitos e legislação, combatendo desta forma o tráfico e a rede ilegal de mão-de-obra. Que invista em projetos que preservem o património arqueológico e promovam roteiros turísticos para a sua visita e para a observação da apanha da azeitona e da transformação do azeite. Projetos de sensibilização ambiental e de capacitação dos seus colaboradores com vista á implementação de boas práticas.   
O que é verdadeiramente necessário é a inovação num turismo diferenciador, inclusivo e acessível a pessoas com mobilidade reduzida parcial ou total, de acesso a pessoas invisuais ou com problemas de surdez. Se é verdade que em 2017 o Alentejo recebeu a visita de 65. 388 Turistas representando um aumento de 11% comparativamente ao ano de 2016, não é menos verdade de que mais de mil milhões de pessoas no mundo vivem com algum tipo de incapacidade, dos quais cerca de 200 milhões experiencia dificuldades notáveis em termos de funcionamento. Nos próximos anos, a deficiência e a incapacidade serão uma preocupação ainda maior pois a sua prevalência está a aumentar, devido ao envelhecimento da população e ao maior risco de incapacidade na população sénior, bem como ao aumento global das doenças crónicas. Em Portugal, em 2011, aproximadamente 40,5% das pessoas entre os 15 e os 64 anos tinham pelo menos um problema de saúde ou doença prolongados e 17,4% tinham pelo menos uma dificuldade na realização de atividades básicas (INE, 2011).
Para pensar nestas e noutras transformações para o nosso território é necessária a criação de um ecossistema de empreendedores no Baixo Alentejo com preocupações no plano do desenvolvimento sustentável.
Portugal tem hoje um dos mais vibrantes ecossistemas de empreendedorismo da Europa mas será que o Alentejo e o Baixo Alentejo em particular, à sua dimensão pode também entrar num roteiro empreendedor nacional ou internacional, apanhando a “boleia” deste bom momento nacional e ser diferenciador na forma como o dinamiza?
O que temos de fazer ao nível das políticas locais e regionais, das estruturas de apoio, do financiamento, da cultura empreendedora e do capital humano para que tenhamos um ecossistema mais vibrante e humanista? Quais são os principais desafios e que passos devemos dar?
Estas são perguntas e desafios que passam naturalmente por criar um ecossistema de empreendedores. Um movimento social diversificado que congregue paixão, conhecimento, iniciativa, resiliência e transformação, que crie valor e promove a autorrealização do individuo, oferecendo a resposta a muitos problemas societais e/ou supre simplesmente necessidades de mercado.

 2 - Sabemos que são muitos os desafios sociais atualmente existentes. Desafios esses que, na maioria das vezes, encontram espaço em determinadas organizações, cujo eixo de actividade permite o seu trabalho, levando à mudança efetiva. As associações, as organizações e as instituições particulares de solidariedade social são as estruturas mais frequentes. Fale-nos um pouco sobre o papel das associações e da importância de exercer, hoje em dia, o associativismo.
Devemos ter sempre presente de que pela sua própria natureza, o Homem tem necessidade vital de se relacionar com o outro, de criar laços de cooperação e de entreajuda, de desenvolver projetos comunitários, de trocar experiências, de viver e de conviver com as pessoas que vivem junto de si ou nas suas proximidades. Sempre assim foi e sempre assim será
Falar sobre o papel das associações hoje em dia, é termos a consciência de que alguns dos direitos consagrados na Constituição da República emanam deste importante movimento social, uma vez que o mesmo está intimamente ligado às principais transformações sociais, e política, verificadas com o advento do liberalismo, das ideias propagadas pela Revolução Francesa e pelo surgimento da Revolução Industrial.
De forma natural e dado que o Associativismo é uma emanação da sociedade é óbvio que a evolução da mesma “obriga” a ajustamento e ao aparecimento de novas formas, foi o que aconteceu com o 25 de Abril de 1974, pelo que e de acordo com a Confederação Portuguesa das colectividades de cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD): “Cerca de metade das associações que hoje temos em Portugal decorrem do 25 de Abril de 1974, a par do substancial aumento do número de associações, mais dois factos se verificaram: as coletividades mais “clássicas” diversificaram em muito as suas atividades e por outro lado, emergiram ou reforçaram-se outros tipos de associativismo: de defesa (património, consumidores, à vítima, etc.); movimento de moradores; juvenil e estudantes; ambiente e ecologia; de pais e da família, pessoa com deficiência etc. Mais tarde, na década de oitenta do século XX: as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) e ADL (Associações de Desenvolvimento Local).”
Se no passado o associativismo teve o seu “berço” na Revolução Industrial, hoje estamos na Era da Informação e do Conhecimento pelo que é fundamental que se coloque este vasto património ao serviço da sociedade atual, dai que a importância de exercer um papel ativo enquanto dirigente associativo é fundamental tanto mais que ainda é nas associações que os jovens de hoje podem exprimir a solidariedade, experimentar novas respostas, agirem como fator de transformação e inovação social ao elaborar e concretizar um projeto comum de carácter coletivo e de raiz social. Valorizarem-se enquanto pessoas através do trabalho voluntário e benévolo como pilar estruturante da economia social, assumindo o exercício da democracia conduzindo a uma efetiva cidadania.  
Em suma participar no associativismo é ter uma vida autenticamente humana, uma vida verdadeiramente feliz.

 3 - Em Beja, que Associações com um papel preponderante a nível social existem, quais as suas missões e as principais dificuldades que enfrentam?
Qual é a percentagem de participação dos jovens nestas entidades e quais são as suas principais preocupações?
No concelho de Beja existem cerca de 300 associações equiparadas a coletividades de cultura, recreio e desporto, instituições particulares de solidariedade social, associações juvenis, estudantis, ambientais e de defesa do património, entre outras denominações, que têm um importante papel na dinamização de um conjunto de iniciativas e projetos nas mais diferentes áreas de atuação, quer ao nível, educacional, cultural, desportivo, social e ambiental.
De uma forma geral a missão passa em primeiro lugar por um importante contributo na prestação de serviços aos seus associados e à comunidade de uma forma geral no acesso à cultura, à atividade física, ao recreio e ocupação dos tempos livres de centenas de crianças. Por outro lado procuram contribuir de forma consensual, para o debate na esfera pública, trazendo contributos para a deliberação de políticas públicas importantes para o nosso concelho. 
Se não há dúvida que este movimento que atua no chamado terceiro sector tem auferido uma maior visibilidade na sociedade portuguesa e no nosso distrito em particular, também não é menos verdade que esse protagonismo (seja junto do Estado, da sociedade civil, ou ainda dos meios de comunicação social) parece recair sobretudo sobre a ação das IPSS’s e de outras Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD).
Este fator prende-se pelo facto de vivemos num distrito e num concelho em que a maioria da população é envelhecida e dai que as associações e instituições de cariz social tenham um peso relevante na nossa comunidade. Reflexo desta realidade é o facto de só na Rede Social do Concelho de Beja, estarem representadas mais de uma centena de entidades e associações que trabalham sobretudo neste sector possuindo uma grande importância ao nível da provisão de serviços sociais através do estabelecimento de acordos de gestão e de cooperação com o Instituto da Segurança Social.  
As dificuldades com que este importante movimento social se depara são diversas porque estamos a falar de um movimento associativo que por um lado é composto na sua maioria por trabalhadores por conta de outrem e que após o seu trabalho se dedicam de forma voluntária aos objetivos da sua associação o que nem sempre garante estabilidade na ação, por outro lado estamos perante uma vasta rede de intervenção cívica nas diversas vertentes, em especial nos domínios cultural, desportivo, recreativo e social que presta um verdadeiro serviço público. Muito simplesmente, se não forem as associações a fazer o trabalho que fazem – isto é, a desempenhar as funções sociais que desempenham – quem o fará? E caso esse trabalho não seja feito, que consequências acarretará essa situação em termos sociais?
Assim e pela minha experiência enquanto dirigente associativo apontaria seis (6) grandes preocupações, entre outras que haverá, sobre as dificuldades que este movimento sente:
1 - O necessário e devido reconhecimento por parte do governo e dos poderes públicos da importância social do associativismo nomeadamente quanto às políticas de apoio para a construção de infraestruturas e aquisição de equipamentos. 2 – Não existem mecanismos adequados de incentivo ao dirigismo associativo popular, nomeadamente um Estatuto Social do Dirigente, que alargue o recrutamento e permita a necessária renovação das lideranças nas associações. 3 – Constata-se a falta de oferta de programas de formação adequados às necessidades de qualificação de recursos humanos destas estruturas. 4 – Existe um défice de comunicação das associações com os seus públicos interno (associados, atletas, colaboradores e demais intervenientes internos) e externo (população em geral). 5 – No plano autárquico, faz falta um Gabinete de Apoio ao Movimento Associativo (GAMA) que trabalhe e articule com os dirigentes associativos do concelho, com o IPDJ e outras entidades na definição de uma estratégia de atuação municipal nesta área. 6 – Promoção de uma rede formal, que promova conhecimentos, partilha de experiências e boas práticas deste importante movimento um pouco por todo o concelho e região, que possa em conjunto trabalhar possíveis fundos comunitários com particular enfoque para as questões do empreendedorismo social e da economia social e solidária.  
Sobre a participação dos jovens neste movimento e apesar de Portugal dispor de uma legislação própria que enquadra o movimento associativo juvenil através da Lei n.º 23/2006, de 23 de Junho, estabelecendo o regime jurídico do associativismo, esta participação apresenta assimetrias no quadro da região Alentejo.  
No plano nacional e à data de dezembro de 2017 estavam inscritas em Portugal Continental cerca de 1434 associações no RNAJ, sendo que no distrito de Portalegre este número é de 17 associações juvenis ou equiparadas, no distrito de Évora são 41 associações juvenis ou equiparadas e no distrito de Beja são 6 associações juvenis ou equiparadas.
Os números demonstram que no quadro da legislação em vigor e do RNAJ, o distrito de Beja apresenta um número muito baixo quando comparado com os distritos de Évora e Portalegre, contudo e apesar de não acreditar que os números possam aumentar significativamente, o mesmo não corresponde à realidade do associativismo juvenil, uma vez que muitas associações têm na sua composição jovens, com uma efetiva participação mas que por não cumprirem os critérios do artigo 3.º da lei n.º 23/2006, de 23 de Junho, que estabelece o regime jurídico do associativismo não são consideradas associações juvenis.
Quanto às preocupações dos jovens manifestadas neste movimento eu dividia em dois aspetos. O primeiro tem a ver com o motivo que os leva a formar uma associação, e nesse sentido muitas vezes falamos de questões associadas a gostos pessoais pela dança, cante alentejano, desporto, etc. O segundo aspeto prende-se com a mudança das preocupações e prioridades resultante da sua participação enquanto dirigente associativo ou associado na associação. Nesse plano as preocupações que os levaram a constituir a associação alteram e passam a assumir outras preocupações que se prendem em muitos dos casos com o seu futuro, em ser solidário, a querer participar na vida política da sua comunidade e país, em preservar o ambiente. Começa a haver um despertar de consciência social e cívica com indignação perante injustiças sociais nomeadamente a fome, a pobreza e a exclusão social e a despertá-los para a edificação do bem comum. 

 4 - “Quanto maior for o impacto das medidas, maior será a probabilidade de revolucionar o pensamento social.” Esta premissa pressupõe que para além dos efeitos imediatos, em menor escala, se pretendem resultados de maior dimensão, capazes de proliferar no tempo e no espaço. Considera que o meio onde nos inserimos limita, em parte, a capacidade de reinvenção? Que barreiras deverão ser quebradas e de que forma? Seremos nós mais resistentes à mudança, ou a ideia criada em redor do Alentejo, das suas potencialidades e das suas gentes entranhou-se de tal forma no seio da comunidade das grades zonas urbanas, que nos tornámos insignificantes e desinteressantes aos olhos do próprio país?
Na minha opinião e no que ao empreendedorismo social diz respeito a escala per si não é um valor relevante. Arquimedes disse um dia “Dêem-me um ponto de apoio e eu levanto a Terra”. O que pretendo dizer é que da aprendizagem de um projeto com potencial de empreendedorismo social, como por exemplo o Fit Salvador e os Heróis da Agua do concelho de Beja, a Vida Vale do concelho de Odemira, a Estratégia para o Desenvolvimento e Promoção da Fileira dos Recursos Micológicos no Baixo Alentejo de Mértola ou os Núcleos de Voluntariado de Proximidade da Fundação Eugénio de Almeida de Évora, podemos desenhar outros projetos, evitar erros futuros, replicar o modelo noutras zonas do país ou mesmo fora dele. O que importa é a qualidade, o método, a organização, os processos de trabalho, os resultados junto das pessoas e o impacto que têm na sociedade do ponto de vista social. Depois de tudo isto vem a escala dos projetos.
O progresso do empreendedorismo social em Portugal, nos últimos anos, tem sido de facto muito relevante, com alguns projetos no Alentejo e no distrito Beja particularmente que estão consideradas como iniciativas ES+, que mudaram a vida de muitas pessoas.
Muhammad Yunus, empreendedor social e prémio nobel da Paz dizia que “Todo mundo nasce empreendedor. Alguns tem a chance de libertar essa potencial. Outros nunca vão ter a chance ou nunca souberam que tinham essa capacidade.” Julgo que esta afirmação é o retrato do desafio maior que temos para reinventar o Alentejo, investir no maior ativo de um território, na capacitação das pessoas que aqui habitam para um Alentejo empreendedor.
Do ponto de vista técnico, se ensinarmos as pessoas a serem empreendedores ou o que é o empreendedorismo social, podemos não saber se vamos criar empreendedores mas sabemos que disponibilizámos para as pessoas um conjunto de ferramentas que lhes permite passar dos sonhos para as acções. E isto leva à segunda faceta do empreendedorismo: a pessoal. E esta faceta tem que ver com três ideias chave: a capacidade de questionar, a capacidade de sonhar e a vontade de fazer coisas. A capacidade de questionar leva à análise e ao aparecimento de problemas. A existência de problemas estimula a criatividade e leva ao desenvolvimento de ideias passíveis de se constituírem como soluções para os mesmos. A existência de soluções desencadeia motivação para as implementar.
Assim algumas das barreiras que deverão ser quebradas passam por dar o acesso a estudos e investigações já realizadas, nas mais variadas áreas de atividade, estreitando o percurso para conhecer a realidade do empreendedorismo social em Portugal e na região, de forma a potenciar a criação de soluções no momento certo, no lugar certo, para a pessoa certa. A falta de recursos é uma das principais razões com a qual os empreendedores se deparam, o que leva a um processo mais moroso para o desenvolvimento do empreendedorismo social, impedindo o progresso de determinados projetos, oportunidades de negócio, iniciativas, que podem servir para combater o desemprego, o abandono escolar precoce, o suicídio, a iliteracia, ou a exclusão social de pessoas com deficiência, entre tantos outros problemas.
Outro aspeto vai para além de empenho e dedicação que os empreendedores sociais demonstram, estes precisam de ser escutados, apoiados, para conseguirem atingir os seus objetivos bem como o restrito e complexo sistema de apoios comunitários que inviabiliza oportunidades de negócio, com potencial de sucesso.
Apesar de haver uma certa resistência à mudança da parte das pessoas ainda assim julgo que o peso maior tem a ver com o facto de persistirem algumas debilidades, apesar dos investimentos comunitários. Falo de constrangimentos relacionados com a regressão prolongada da demografia regional, o reduzido dinamismo do tecido empresarial, as limitações acentuadas nos sistemas e redes com potencial para atrair novos fluxos de investimento e a sustentabilidade problemática da mais-valia ambiental que não alavancam o desenvolvimento do potencial que temos e nesse particular os sucessivos governos não têm olhado para o interior de Portugal e para o nosso Alentejo da forma como deveriam olhar, com o respeito e igualdade de oportunidades que permitam re-inventar esta região, de forma a tentar minimizar o flagelo da desertificação que está a abranger todo o Alentejo.

 5 - O objectivo do empreendedorismo social passa por identificar situações de negligência ou desfavorecimento de uma determinada facção da sociedade, construindo caminhos e encontrando soluções para as causas primordiais, ao invés de se tratarem somente os sintomas através dos quais se manifestam essas carências/diferenças. Para isto, o trabalho corporativo em rede é crucial. Reunir “cabeças pensantes” capazes de capitalizar esforços e unir comunidades que se pretendem solidárias com as diferenças socias é, talvez, a base para que se consiga dar à sociedade as ferramentas necessárias para que se trabalhe a mudança.
Se lhe fossem concedidos 5 min de tempo de antena na televisão, que mensagem gostaria que transmitir que elucide com clareza o potencial de desenvolvimento da região, e a importância da conjugação de esforços nesse sentido, por forma a atraír e fixar investimento que traga mais-valias à região?
O Alentejo é uma região atrativa num contexto de afirmação de Portugal como fronteira atlântica da Europa e do "hinterland" ibérico, em particular.
A sua proximidade com Lisboa e com o Algarve, toda a orla marítima e as relações de vizinhança com a Espanha, em particular com a Extremadura e a Andaluzia, colocam o Alentejo numa posição privilegiada em termos empresariais, num quadro de articulação nacional e transnacional.
Somos uma região que conta com cinco selos da UNESCO em vários patrimónios imateriais e materiais e que tem potencialidades por valorizar, desde a junção de terra/mar, existe também uma diversidade de encantos históricos, naturais e gastronomia e vinhos, que fazem desta região única.
Tal como uma página em branco de um livro, nesta imensa planície falta escrever a sua parte, seja construtor da nossa história e invista nos encantos do Alentejo.  

Entrevista publicada na Revista Hall Paxis - Imobinvest 2018 - "Alentejo, Um Território Para Investir"


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