terça-feira, 23 de março de 2021

RENDIMENTOS, TAXA DE ESFORÇO E HABITAÇÃO

 

(Em Beja, arrendar um T2 requer, em média, uma taxa de esforço superior a 52%)

O preço da habitação em Portugal volta a ser questão central, numa altura em que ter casa não é apenas uma necessidade e um direito previsto no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, mas também um caso de saúde pública, com que a pandemia de covid-19 nos veio confrontar.

Actulamente, serão cerca de 26 mil, as pessoas que se encontram em situação de carência habitacional. A esta realidade, poderá juntar-se uma outra, o desemprego a atingir 7,1% no quarto trimestre de 2020 (perto de meio milhão de desempregados), a quebra de rendimentos das famílias, o lay-off e, em certos casos, a suspensão absoluta da actividade económica.

Conseguir suportar as despesas com a habitação ficou, por isso, ainda mais difícil. E se, no caso do crédito, as moratórias vieram ajudar, no caso dos arrendamentos a realidade foi outra.

35% é a percentagem recomendada internacionalmente como limite máximo da taxa de esforço para a habitação familiar, valor largamente ultrapassado em Portugal.

Como exemplo, para conseguir suportar a renda de um T2, sem exceder 35% dos rendimentos anuais, em Lisboa, seria necessário que um agregado declarasse 41.349€/ano. Segundo dados do INE, a mediana dos rendimentos declarados pelos agregados é de 14.019€, o que significa que seriam necessários 23 meses de rendimentos para conseguir pagar a renda de um apartamento sem exceder a taxa de esforço.

(A título de curiosidade, no Porto, seriam necessários 15 meses).

Segundo os dados disponíveis para consulta no portal do Instituto Nacional de Estatística, dos 183 municípios a consulta, 111 apresentam declaração de rendimentos e valores de renda que obrigam a uma taxa de esforço superior a 35%. Em Beja, para que se tenha noção, o arrendamento de um T1 (valor médio sem despesas 305€) representa 42,71% e para um T2 (valor médio sem despesas 400€) a taxa sobe aos 52,81%.

Não será, por isso, de estranhar que o país se mantenha na cauda da Europa na relação entre rendimento e qualidade de vida, segundo o Eurostat.

Para melhor perceber a realidade que, em termos de preços e remuneração, é bastante variável em território continental, em média, metade dos trabalhadores por conta de outrem aufere, no máximo, 854€/mês, aos quais será necessário retirar as contribuições obrigatórias.

Analisando o preço da renda média de um T1 em Lisboa (dados do INE), seria necessário que o arrendatário auferisse 2100€/mês, para não exceder a taxa de esforço recomendada.

(Com sorte, poderá encontrar-se casa abaixo do valor do mercado, porém, poderão ficar comprometidas as condições de habitabilidade e salubridade).

Os motivos que levaram à contagiante escalada de preços na habitação em Portugal são bem conhecidos, desde 2012 a esta parte. Com o negócio a sobrepor-se às questões sociais, aumentaram os processos de “gentrificação”, os despejos, o abandono dos centros da cidade, o aumento do número de agregados a viver em habitações precárias, sendo a condição económica o factor que determina o lugar que cada um pode ocupar numa cidade.

O agravamento da realidade obrigou a que, em 2017, se assumisse que o problema iria além das recorrentes problemáticas sociais. Por demais evidente a incompatibilidade entre os preços no mercado privado e os rendimentos das famílias (onde se inclui a classe média). Desta forma, as recomendações das Nações Unidas, na altura, foram no sentido de aumentar os recursos disponíveis para o sector habitacional. Foi criada a primeira Lei de Bases da Habitação, travados processos de despejo, criados novos programas de apoio ao arrendamento e fixados limites às rendas, através da “renda social”, “renda apoiada”, “renda condicionada” e “renda acessível”. Contudo, sendo apenas 2% do parque habitacional nacional público, influenciar os preços do mercado privado é quase impossível.

Todavia, poderia a aquisição de habitação por parte do Estado, ou mesmo a adaptação e requalificação de edifícios públicos, com fim à habitação, ter resolvido algumas questões. Porém, sabemos também, que o negócio se justapôs às questões essenciais e que a venda de património público a fundos e sociedades privadas, alimentou a sede dos investidores e a especulação no mercado imobiliário, (sobretudo nas grandes cidades).

E agora? Onde é que posso morar?


Texto: Rita Palma Nascimento

Foto: João Espinho

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