(Em Beja, arrendar um T2 requer,
em média, uma taxa de esforço superior a 52%)
O preço da habitação em Portugal
volta a ser questão central, numa altura em que ter casa não é apenas uma
necessidade e um direito previsto no artigo 65º da Constituição da República
Portuguesa, mas também um caso de saúde pública, com que a pandemia de covid-19
nos veio confrontar.
Actulamente, serão cerca de 26
mil, as pessoas que se encontram em situação de carência habitacional. A esta
realidade, poderá juntar-se uma outra, o desemprego a atingir 7,1% no quarto
trimestre de 2020 (perto de meio milhão de desempregados), a quebra de
rendimentos das famílias, o lay-off e, em certos casos, a suspensão absoluta da
actividade económica.
Conseguir suportar as despesas
com a habitação ficou, por isso, ainda mais difícil. E se, no caso do crédito,
as moratórias vieram ajudar, no caso dos arrendamentos a realidade foi outra.
35% é a percentagem recomendada
internacionalmente como limite máximo da taxa de esforço para a habitação familiar,
valor largamente ultrapassado em Portugal.
Como exemplo, para conseguir
suportar a renda de um T2, sem exceder 35% dos rendimentos anuais, em Lisboa,
seria necessário que um agregado declarasse 41.349€/ano. Segundo dados do INE,
a mediana dos rendimentos declarados pelos agregados é de 14.019€, o que
significa que seriam necessários 23 meses de rendimentos para conseguir pagar a
renda de um apartamento sem exceder a taxa de esforço.
(A título de curiosidade, no
Porto, seriam necessários 15 meses).
Segundo os dados disponíveis para
consulta no portal do Instituto Nacional de Estatística, dos 183 municípios a
consulta, 111 apresentam declaração de rendimentos e valores de renda que
obrigam a uma taxa de esforço superior a 35%. Em Beja, para que se tenha noção,
o arrendamento de um T1 (valor médio sem despesas 305€) representa 42,71% e
para um T2 (valor médio sem despesas 400€) a taxa sobe aos 52,81%.
Não será, por isso, de estranhar
que o país se mantenha na cauda da Europa na relação entre rendimento e
qualidade de vida, segundo o Eurostat.
Para melhor perceber a realidade
que, em termos de preços e remuneração, é bastante variável em território
continental, em média, metade dos trabalhadores por conta de outrem aufere, no
máximo, 854€/mês, aos quais será necessário retirar as contribuições
obrigatórias.
Analisando o preço da renda média
de um T1 em Lisboa (dados do INE), seria necessário que o arrendatário
auferisse 2100€/mês, para não exceder a taxa de esforço recomendada.
(Com sorte, poderá encontrar-se
casa abaixo do valor do mercado, porém, poderão ficar comprometidas as
condições de habitabilidade e salubridade).
Os motivos que levaram à
contagiante escalada de preços na habitação em Portugal são bem conhecidos,
desde 2012 a esta parte. Com o negócio a sobrepor-se às questões sociais,
aumentaram os processos de “gentrificação”, os despejos, o abandono dos centros
da cidade, o aumento do número de agregados a viver em habitações precárias,
sendo a condição económica o factor que determina o lugar que cada um pode
ocupar numa cidade.
O agravamento da realidade
obrigou a que, em 2017, se assumisse que o problema iria além das recorrentes
problemáticas sociais. Por demais evidente a incompatibilidade entre os preços
no mercado privado e os rendimentos das famílias (onde se inclui a classe
média). Desta forma, as recomendações das Nações Unidas, na altura, foram no
sentido de aumentar os recursos disponíveis para o sector habitacional. Foi
criada a primeira Lei de Bases da Habitação, travados processos de despejo,
criados novos programas de apoio ao arrendamento e fixados limites às rendas,
através da “renda social”, “renda apoiada”, “renda condicionada” e “renda
acessível”. Contudo, sendo apenas 2% do parque habitacional nacional público,
influenciar os preços do mercado privado é quase impossível.
Todavia, poderia a aquisição de
habitação por parte do Estado, ou mesmo a adaptação e requalificação de
edifícios públicos, com fim à habitação, ter resolvido algumas questões. Porém,
sabemos também, que o negócio se justapôs às questões essenciais e que a venda
de património público a fundos e sociedades privadas, alimentou a sede dos
investidores e a especulação no mercado imobiliário, (sobretudo nas grandes
cidades).
E agora? Onde é que posso morar?
Texto: Rita Palma Nascimento
Foto: João Espinho