sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Conversamos com Buba Espinho

 

“Alentejo … um abraço que nos une, um sorriso que ilumina, um sonho a realizar …”

Sabemos que o Buba Espinho tem raízes profundamente alentejanas, tendo começado o seu percurso artístico através do cante. Que reflexão lhe suscita a frase?

Comecei no Cante Alentejano e oiço-o desde que me lembro. As minhas primeiras memórias musicais são de homens a cantar, de ver o meu pai a cantar em palcos, pelo que desde muito pequeno que sinto que o Alentejo se entranhou em mim na forma de Cante. A frase “… um abraço que nos une” remete-me para um universo comum entre Alentejanos, onde há sempre alguma coisa que nos une, e o Cante é, também, uma forma de união, porque qualquer Moda que se cante é sempre um bom pretexto para fazer novos amigos no Alentejo. E esta é a reflexão que faço, o Alentejo é, de facto, algo que nos liga uns aos outros, sejamos nós do Alto ou do Baixo. 

Sendo um jovem artista, que como muitos outros foi obrigado a partir na busca da concretização do sonho, como vê o actual momento cultural na região e que comentário lhe suscita a nomeação de artistas Bejenses para prémios de renome?

Não só os artistas de Beja, como a Arte em geral em Beja, têm imenso valor, porque aqui é possível criar sem qualquer pressão artística. E quando falo em pressão artística falo no profissionalismo das coisas. Nós fazemo-lo por amor e o amor é genuíno, essa diferença é notória. Todos os artistas Alentejanos que conheço, são grandes artistas por isso mesmo, porque acima de tudo têm imenso amor por aquilo que fazem. Sendo, por isso, normal que existam nomeações para Prémios, aqui, no Alentejo, existe realmente muita qualidade, tanto a nível musical, como no teatro (temos excelente actores)… como em tudo o que encerre arte. No Alentejo há muita gente a fazer coisas muito boas.

Quais são, na sua opinião, os principais factores determinantes na fixação de pessoas na região? É possível reverter a tendência da “partida”?

Uma excelente pergunta. Falando pela minha experiência, a partir do momento em que tomei como decisão de assumir uma carreira a solo, seria impossível fazê-lo em Beja, pelas dimensões reduzidas do mercado e pela falta de oportunidades (há muita coisa por fazer). Então, foi necessário dedicar-me à conquista de outros mercados, de outros públicos. A fixação é sempre uma questão difícil, porque dependerá sempre  de muitos factores. Em primeiro lugar depende do povo, das pessoas, do aprender a gostar daquilo que se faz por cá. Temos o exemplo do comércio tradicional que tem, ao longo dos tempos, sido trocado pelos centros comerciais e grandes superfícies, o que leva a que também os comerciantes locais não se consigam fixar, ou não consigam garantir a sua fiação. Na música é igual. Eu trabalho sobretudo em Casas de Fado, em Beja não existe nenhuma Casa de Fado, logo aí eu não conseguiria fazer a minha vida enquanto fadista em Beja.
Mas as coisas estão a mudar, para melhor, neste momento já existe Cante nas escolas, o que confere aos jovens uma certa responsabilidade sobre o seu património cultural. São cerca de 5 milhares de jovens nesta aprendizagem, o que é muito bom, significa que daqui por 20 anos, em 5 mil, existirão muitos a querer seguir pelo meio artístico. Nessa atura, penso que já se conseguirão fixar, uma vez que tudo depende da aprendizagem da cultura, e é necessário ensinarmos e habituarmos as nossas pessoas a gostarem da cultura. Se os jovens já estão a aprender desde tão cedo o que é essa nossa cultura, o que é a nossa música, o que é a nossa expressão, quando forem mais velhos isso será, para eles, algo natural e intrínseco, o que lhes permitirá fixarem-se na sua terra e fazer nela aquilo que mais gostam.  

Pensando em Beja como pólo de atracção, quer de investidores, quer de particulares das mais variadas áreas, se lhe fosse permitido tomar uma decisão executiva a favor da cultura, que pudesse influenciar, qual seria e porquê?

Claro como é óbvio. Regressar é sempre o sonho de qualquer um. Eu venho cá imensas vezes, talvez não tantas como gostaria, nem por tanto tempo como gostaria, o dever chama-me e o meu trabalho é lá em cima, mas o meu sonho é um dia voltar e criar cá a minha família, a minha própria família, porque família eu tenho cá e é ate é bastante grande. São eles quem me faz vir inúmeras vezes. Mas claro, o meu objectivo é alcançar a estabilidade para um dia poder voltar às minhas raízes.

No que toca à minha arte e aos meus géneros musicais, penso que ainda há muita coisa por fazer. Como referi há


pouco, o projecto do Cante nas Escolas foi uma excelente iniciativa, que trará imensos frutos no futuro, mas são necessárias muitas mais. Estou a lembrar-me de uma ideia do Jorge Benvinda, a Casa de Cante, que na altura em que o mesmo foi reconhecido como Património da Humanidade, profissionalizou um pouco mais o Cante, tendo criado 3 dias por semana a possibilidade de as pessoas assistirem a concertos de Cante Alentejano. Apenas e só a Cante Alentejano. Porque o que acontece, hoje em dia, é que o Cante é colocado em todo o lado. Há uma feira numa qualquer localidade e é possível ouvir cante, seja ela uma feira gastronómica, uma feira de vinhos ou de roupa. E o Cante é um género muito específico e que deve ser colocado em determinados locais com qualidade, para que os apreciadores possam apenas ouvir Cante Alentejano. De forma muito similar ao Fado, quem gosta de fado não vai a uma Casa de Fado apenas para jantar, vai para jantar e ouvir Fado. Então, na minha opinião, seria de interesse criarem-se as Casas de Cante em Beja, para possibilitar a quem gosta, a oportunidade de jantar e ouvir. Actualmente, na cidade, é pouco provável ouvir-se Cante, encontra-se um grupo de rapazes na rua a cantar, mas não se fica uma noite a ouvi-los. A criação destas Casas permitiria profissionalizar o Cante e conferir-lhe o valor que realmente tem enquanto Património da Humanidade.



Alentejo ...porque o horizonte é infinito .... Entrevista Filipe Campêlo

  Falar de Filipe Campêlo é falar de alguém multifacetado, com pensamento desenvolvido e visão estratégica. Quer contar-nos um pouco acerc...