segunda-feira, 8 de maio de 2023

Alentejo ...porque o horizonte é infinito .... Entrevista Filipe Campêlo

 

Falar de Filipe Campêlo é falar de alguém multifacetado, com pensamento desenvolvido e visão estratégica.

Quer contar-nos um pouco acerca da sua vinda para Beja? Como aconteceu esse “chamamento" a alguém com raízes no Norte e com muitos anos vividos em Lisboa?

Tudo começa com uma notícia num jornal de tiragem nacional que nomeou a Biblioteca de Beja como a melhor biblioteca municipal do país. Ficou a curiosidade de conhecer o local.

Algum tempo depois, por necessidade de emissão de um passaporte que demorava mês e meio a emitir em Lisboa, mas apenas quatro horas em Beja, os fatores positivos foram-se somando.

O nascimento do 2º filho, que tornou o apartamento de Lisboa “curto”, fez a ideia sair de Lisboa parecer natural assim como a opção mais óbvia ser Beja: as pessoas eram simpáticas, as coisas funcionavam.

Vinte anos corridos não há planos para sair daqui.

 

Olhando ao seu percurso, encontramos o Filipe em várias vertentes, tais como piloto da TAP, fundador e principal responsável pelo Grupo de Escoteiros de Beja durante muitos anos, desportista de trails, e mais recentemente na área da construção e imobiliário, através da empresa Alvenaria 4, recentemente criada.

Pode dizer-se que esta diversidade de atividades provém de uma certa inquietação, ou pelo contrário, são uma espécie de complemento interior em momentos diferentes da sua vida?

Ser Piloto, primeiro militar e depois civil, foi a concretização de um sonho de infância. Foi aí que me conduziu a vida por ter as capacidades físicas e mentais para tal, por ter o apoio incondicional da família, nomeadamente do Pai e da Mãe para aquela aventura maluca dos aviões que deixava a mãe com os nervos em franja a semana que eu passava na base aérea, por ter encontrado profissionais extraordinários cuja dedicação e profissionalismo permitiu que eu conquistasse as minhas lacunas e rentabilizasse as minhas potencialidades intrínsecas.

Também os Escoteiros surgem de forma natural. Fui Escuteiro em miúdo e daí trouxe amizades que perduram até hoje apesar da distância geográfica. Quis garantir que os meus filhos, na adolescência, se identificassem com uma “tribo” sã. E algo que eu pudesse partilhar com eles e com o qual me identificasse. Ser Escoteiro fazia sentido.

Não havia Escoteiros em Beja e, como não sou de me sentar e dizer mal porque os outros não fizeram, pus mãos à obra e, com um grupo pessoas dinâmicas e dedicadas, fundámos o Grupo 234 Beja. Passados 14 anos “passei a pasta” e a nova Direção tem feito um trabalho extraordinário.

Também a Alvenaria 4 advém da adaptação aos tempos. Não havia planos para deixar a aviação. Pelo menos meus já que a vida tinha outros planos. Com a pandemia e todos os acontecimentos seguintes, feito um balanço pessoal, foi tomada a decisão de sair da TAP.  A construção civil estava já no meu passado para-profissional com algumas iniciativas no campo da remodelação imobiliária, aluguer, compra e venda. Foi assim apenas natural aprofundar um conceito pré-existente.

Por isso, respondendo à pergunta, todo este meu percurso profissional advém definitivamente de alguma inquietação, porque me aborrece estar parado, mas também o tal complemento interior em momentos diferentes da vida

Sermos adaptativos e estarmos despertos para o que nos oferece a vida é absolutamente essencial.

 

Relativamente ao escotismo, existem opiniões de que todas as crianças deveriam passar por um grupo de escoteiros em determinada altura das suas vidas. Concorda?

Têm os jovens perceções de vida diferentes e valorizam mais certos aspetos humanistas e práticos, quando de alguma forma a sua formação foi complementada pela frequência de um grupo de escoteiros?

Sou muito adepto da cidadania interventiva. Todos devemos deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrámos, como postulava Baden-Powell, todos devemos melhorar a nossa rua, o nosso bairro, a nossa cidade sem esperar e reclamar pelos “outros que não fizeram”. A melhor maneira é partilhar essa noção com os mais novos, dar o exemplo. Que eles sejam o exemplo a seguir mais tarde num ciclo virtuoso de serviço ao próximo.

 

A paixão pela construção vem de há muito tempo. Conseguiu agora colocar em prática aquele bichinho que o acompanhou ao longo da vida, com a criação da Alvenaria 4, cujo objetivo é a reconstrução e remodelação de habitações. Olhando para a cidade de Beja e para as zonas de maior debilidade habitacional, qual é, na sua ótica, o caminho a seguir para que essas zonas possam ter nova vida e novos habitantes?

Reabilitar um centro urbano histórico é sempre um processo complicado e dinâmico que, provavelmente, não terá uma solução definitiva e estática mas sim um conjunto de várias medidas que devem ser ensaiadas, implementadas, avaliadas e ajustadas repetindo todo o processo em modo contínuo. Uma legislação rígida e estática, venha de onde vier, nunca será uma solução de prazo alargado.

Ouvir os agentes do mercado - imobiliárias, construtores, proprietários, residentes individuais e coletivos – não uma vez para elaborar uma determinada legislação mas sim em contacto permanente com estes, será absolutamente essencial. E, maioritariamente, não serão necessários grandes planos complexos devendo ser dada prioridade às pequenas simplificações e melhoramentos do dia a dia.

 

Para reconstruir uma casa não basta arranjar cimento e tijolos. É necessário ter em linha de conta bastantes aspetos técnicos e administrativos. Na sua opinião, o que dificulta mais a decisão de um potencial proprietário ou futuro proprietário, no decurso desse processo?

Para o futuro proprietário a maior dificuldade prende-se sem dúvida com a incerteza do custo final da obra. Quem contratar? Que segurança dá esse agente do cumprimento do contratado? E que garantia pós-venda efetivamente será prestada?

Não há uma divulgação continuada e pró-ativa junto do comprador leigo acerca dos agentes registados junto do IMPIC, e outros, nem das seguranças e garantias associadas. O corolário dessa ignorância funcional pode ocasionar graves prejuízos futuros. Cientes dessa incerteza, muitos investidores acabam por não concretizar o projeto a que se propuseram.

 

 A eficiência energética e a sustentabilidade estão definitivamente na ordem no dia na área da construção civil. Que conselhos  úteis e pertinentes neste âmbito,  dá aos seus clientes no antes e no durante obra?

Antes e durante a recomendação é sempre a mesma: recorrer aos serviços profissionais.

Na fase de projeto há que recorrer aos serviços de arquitetura e engenharia já que são estes que estão a par das últimas novidades numa indústria em rápida transformação. São estes que poderão propor um leque de opções atualizadas e adequadas ao caso concreto daquele cliente concreto.

Também na fase de construção deverão ser chamados os profissionais de cada área para execução do projeto. Recorrer ao curioso desenrascado poderá trazer sérios dissabores futuros.

 

Viemos do Norte, passámos por Lisboa, viajámos pelos céus do mundo consigo a comandar no cockpit, fizemos acampamentos em várias latitudes e agora estamos em Beja, no seu terraço com uma vista imensa. Para si, o horizonte do Alentejo é infinito?

O horizonte não está dependente da geografia. Está onde o (im)pusermos em nós.



 

terça-feira, 2 de maio de 2023

Alentejo ... porque o horizonte é infinito ... Entrevista Paulo Ribeiro

 

Falarmos de Paulo Ribeiro, é falarmos de alguém umbilicalmente ligado à música e à elementaridade do Cante Alentejano.

Ao longo da sua carreira foram vários os projectos que integrou, Anonimato, Eroscópio, Baile Popular, Tais Quais, mantendo sempre o Cante como pano de fundo, sustentando e alimentando as raízes. Neste âmbito, conhecemo-lo, também, enquanto ensaiador de grupos de Cantadores distintos – em idade, género, génese e geografia - onde a inovação, a reinvenção e o respeito pela origem são denominadores comuns. Características também elas presentes no Álbum É Assim Uma Espécie de Cante, onde, em conjunto com o Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias, se desafiou a interpretar temas de músicos icónicos como Rui Veloso e Pedro Abrunhosa.

 

Pode dizer-se que há no Paulo inquietação e uma certa não acomodação que o despertam para a criação e desenvolvimento de projectos fiéis mas diferentes dos genuinamente tradicionais?

Essa inquietação existe e funciona de certo modo como um motor que alimenta a criatividade. Os vários projectos vão surgindo naturalmente. De qualquer forma eu procuro que todos eles façam sentido, isto é, que tenham uma mensagem.. Acho que quando não tiver mais nada a acrescentar, se calhar deixo de fazer música. A tradição interessa-me, até porque quando transmito por exemplo o Cante às crianças, procuro ser um o mais fiél possivel às modas tradicionais. Mas em algum momento também não deixo de lhes dizer que um dia se estiverem a estudar clarinete ou outro instrumento qualquer, poderão sempre reentrepetar uma qualquer melodia do nosso vasto cancioneiro com o recurso à criatividade e liberdade de cada um. Nesse sentido a tradição também me interessa como um legado que podemos de alguma forma reeventar, é por isso que também vou compondo algumas modas. Julgo que é importante reeactualizar o cante, sem perder de vista as suas raizes, o seu chão.

Depois gosto de trabalhar com as pessoas, gosto da ideia do "colectivo". Um bom exemplo são os Tais Quais, onde personalidades e diferentes gerações convergem e funcionam para um resultado que tem lá um bocadinho de cada um de nós. Isso só é possível porque há um sentido colectivo e uma cumplicidade que se foi construindo. É por isso que por vezes usamos a expressão "Familia Tais Quais". Com "Os Camponeses de Pias" é a mesma coisa. São uma família que me acolheu e que vai integrando ao longo da sua maravihosa história gente que admiramos e que fica para sempre a fazer parte dessa família.

 

 Tem a música o poder e a missão de nos accionar enquanto agentes sociais?

Penso que sim, depende no entanto da forma como nos posicionamos. Há exemplos com é o caso de José Afonso em que a sua vida se confunde, no bom sentido, com a sua obra.. A Ideia de uma sociedade mais justa e fraterna pela qual lutou, é bem visível na sua poesia e na música que compunha. A música pode ter esse poder transformador e mesmo quando tem um carácter mais lúdico acaba sempre por ter uma função. Sim em certa medida os músicos e os artistas, não são apenas agentes culturais, são também actores que podem intervir em processos sociais.

 

Jorge Palma, Vitorino, Tim, João Gil e mais recentemente Pedro Abrunhosa têm sido, ao longo da sua vida, companheiros de estrada.
Quer falar-nos um pouco da importância que estas parcerias têm para si enquanto músico radicado em Beja?

São ligações a artistas e pessoas que sempre admirei desde miúdo e é uma honra pode desenvolver projectos musicais com todos eles. Tem sido uma grande aprendizagem em termos musicais e artisticos mas existe também aqui uma dimensão humana que se traduz num respeito mútuo e numa amizade que vamos construindo. Sim, na minha adolescência jamais imginaria que um dia estaria a pisar os palcos ao lado destas grandes figuras da música portuguesa.

 

Vivemos numa região com raízes culturais profundas, em vários quadrantes, e que tem oferecido ao mundo, ao longo dos anos, artistas de renome e relevo.
Sendo berço, o que é que nos falta?

Falta-nos estratégia, falta-nos visão para implementar as necessárias medidas para valorizarmos o nosso património histórico e cultural. Penso também que é um problema do nosso país. Basta ver que durante alguns anos nem um Ministério da Cultura tinhamos e o Orçamento Geral do Estado nos dias de hoje ainda não contempla sequer 1% para a cultura. Está tudo por fazer...no entanto não falta gente com talento no nosso Alentejo nas mais diversas áreas artísticas. Seria exaustivo nomear todos eles porque correria o risco de me esquecer de algum.


Como interpreta, actualmente, o panorama cultural e qual a sua visão de futuro?

Bem eu gostava que houvesse aqui na nossa região Teatros que trabalhassem em rede. Que houvesse da parte dos Municípios uma maior disponibilidade para em conjunto fazerem mais e melhor pela nossa Cultura.

Que os espectáculos e os artistas pudessem circular pelas diversas salas e  espaços disponíveis. Há não muito tempo houve uma experiência interessante: o Festival BA que apresentou mais de cem espectáculos só ao nivel dos municípios que integram a CIMBAL. Esse Festival podia expandir-se para o alto Alentejo através de parcerias com outros Municípios. Infelizmente nada disso aconteceu. Teve apenas uma edição e perdeu-se mais uma oportunidade...Enfim, continuo ainda assim a ter esperança, mas também é preciso que as comunidades e os cidadãos se empenhem de outra forma, que não se resignem quanto ao futuro da nossa região.

 

Tendo por base a alma e forma de estar alentejanas, mas também as características do nosso território, vasto, ilimitado e de céu aberto, que comentários lhe sugere o tema da presente revista – “Alentejo …Porque o Horizonte é Infinito”?

Esse título é muito poético e logo à partida suscita curiosidade. Curiosidade em conhecer mais a fundo e sem pressas o nosso Alentejo. Conhecer o território que é diverso e sobretudo conhecer as pessoas que o habitam que são a alma do Alentejo.

Parabéns pelo tema que escolheram. À volta deste tema também as conversas e as descobertas poderiam ser infinitas como o Horizonte a perder de vista nas nossas vastas planícies...



 

Alentejo ...porque o horizonte é infinito .... Entrevista Filipe Campêlo

  Falar de Filipe Campêlo é falar de alguém multifacetado, com pensamento desenvolvido e visão estratégica. Quer contar-nos um pouco acerc...