Professora, escritora, amante de Arte, Fátima Santos tem na língua Portuguesa o pilar do qual são feitos os dias.
Pode dizer-se que a Fátima transpira palavras, já que, além
dos tempos lectivos, publicou cinco livros em 2022.
Como olha para o actual ensino da Língua Portuguesa nas
escolas?
Desde a implementação dos Programas de Português de 2002, os
alunos trabalham diferentes competências (leitura, escrita, oralidade, gramática
e educação literária), paralelamente ao desenvolvimento de competências de
cidadania. Apesar de terem sido feitas algumas alterações, posteriormente, esta
continua a ser a essência da aula de Português e os autores canónicos
mantêm-se, na generalidade. Desde 2017, a Legislação prevê que se realizem
projetos de articulação curricular, em tempos de autonomia e flexibilidade
curricular, e estes também se constituem como estratégias que contribuam para o
desenvolvimento das competências mencionadas e vão ao encontro de uma mudança
de paradigma que mais se adeque aos nossos tempos. O principal problema é o
excesso do número de alunos por turma, e o número de turmas e de burocracia e
outras tarefas por professor, o que dificulta que sejam realizadas mais atividades
de escrita criativa, por exemplo, porque já temos muitos instrumentos de
avaliação para elaborar e corrigir, restando pouco tempo para a realização de
textos de temas e géneros livres e outras atividades de complemento curricular.
O Acordo Ortográfico não é um dilema para os alunos, porque
já foi implementado há muito tempo e as aprendizagens são realizadas por
manuais que estão em conformidade com o mesmo. O maior problema é que, em
geral, os jovens leem pouco e comunicam muito por mensagens abreviadas, o que
leva a que tenham um vocabulário muito reduzido.
O papel do professor, muitas vezes, determina a vocação do aluno, tendo uma importância preponderante nas suas escolhas.
Em que medida os “seus meninos” são influenciados pela
professora-escritora-mulher-cidadã e que paralelo estabelece entre essa
influência na escola de hoje, com a sua experiência pessoal ao longo dos anos?
Quer queiramos ou não, somos sempre influenciados pelos
nossos professores. Eu lia bastante e essa era uma forma de ocupar o tempo
livre. Hoje, as solicitações e interesses dos jovens são diferentes. Recordo-me
perfeitamente do nome de quase todos os meus professores e daqueles que mais me
marcaram e contribuíram para a construção da minha personalidade. A minha
professora de Francês, por exemplo, ensinou-me a gostar da música francesa e da
arte plástica. É natural que a minha forma de olhar o mundo também se projete
nos meus alunos, como acontece com qualquer professor. Um dos livros que
publiquei foi prefaciado por um ex-aluno meu, o Hugo Cunha Lança, que já é
doutorado e professor no ensino superior. Em Seara poética, o Hugo menciona o nome de vários professores que o
marcaram e refere que a Professora Fátima Santos (...) “está insofismavelmente tatuada no meu devir,
pessoal e profissional”. No dia do lançamento de Um acaso na Praia dos Cinco Reis, o Daniel Sanina, um exímio poeta
e também meu ex-aluno, na impossibilidade de estar presente no evento,
enviou-me uma carta com um dos seus poemas, do qual transcrevo um excerto “Vislumbrei um tesouro que.../ Espero
adquirir a curto prazo/ E vou por certo deliciar-me.../ Pois sei que é um
troféu.../ Daqueles que vão até ao céu!/ Sei bem que nos entendemos.../ Cá de
longe.../ Professora minha, Fátima Santos.../ De poesia em mil encantos!”.
É claro que fico muito orgulhosa por saber que as emoções perpassam o tempo e
que toquei a sensibilidade de alguns jovens, que, apesar da distância e do
tempo, me recordam desta maneira. E esta é uma situação comum a tantos outros
meus colegas, porque a escola é um espaço de humanidade, onde se cruzam tantas
realidades e tantos contextos que é impossível não levarmos na bagagem
experiências, influências e sentimentos partilhados.
Nota-se na Fátima uma preocupação relativa aos seus
públicos-alvo, quando publica um livro. Um
acaso na Praia dos Cinco Reis dirige-se a um segmento mais novo. Qual foi a
sua motivação ao pensar este livro?
A minha motivação para Um
acaso na Praia dos Cinco Reis foi o atual contexto sociocultural do Alentejo,
onde se cruzam pessoas de várias nacionalidades, devido às questões das
migrações, o que impõe uma reflexão sobre a forma como olhamos o outro.
E o outro poderemos ser nós, quando há, por exemplo, uma catástrofe
natural que nos obriga a mudar de espaço e a confrontarmo-nos com uma vida
nova, despojados dos nossos bens, o que pode suceder a qualquer pessoa. Por
outro lado, a inclusão deve contemplar o respeito mútuo e é importante veicular
as nossas raízes e tradições, o que facilita a aprendizagem de uma língua e
leva a uma melhor compreensão e aceitação das diversidades culturais.
Na sua opinião, as plataformas digitais e a imensa oferta
disponível, actualmente, distraem as crianças e os jovens da descoberta da
leitura, do cheiro do papel, do gosto de entrar numa livraria e caminhar entre
prateleiras e estanteria?
Sim, as plataformas digitais têm vantagens pela rapidez com
que pesquisamos informação ou comunicamos pessoal e profissionalmente, mas
roubam tempo à intimidade com o livro, à fruição do cheiro e do toque no papel,
que, para mim, ainda continua a ser muito importante. Cheirar um livro novo é
maravilhoso, quase consigo senti-lo, enquanto lhe estou a responder, tão
impregnada tenho esta sensação.
“Contemplo a beleza
Das folhas da Natureza
Ímpar Singeleza”
…
“Nesta solidão
Entre fragas e planuras
As minhas agruras”.
Excertos do seu livro Palavras
Tecidas pela Vida.
Que paralelismo traça entre a natureza presente nas suas
obras, a simplicidade, e a poesia de origem japonesa expressa nestes haikais?
Gosto de ler Paulo Leminski, escritor brasileiro que cultivou bastante este género poético, e comecei a escrever uns haikais por brincadeira. Quando me apercebi, tinha escrito vários, indo ao encontro da etimologia da palavra haikai, vocábulo composto por duas palavras da língua japonesa: hai (gracejo) e kai (realização). Seguindo o modelo dessa forma poética tradicional do Japão, tento transmitir, metaforicamente e com simplicidade, pequenas mensagens, recorrendo, em geral, a elementos da Natureza que me inspiram.
Reportando-nos ao seu poema “Natal Alentejano”, integrante do
livro Seara Poética, a alma
alentejana encontra-se muito bem expressa nos versos que o compõem.
“É Alentejo com certeza
É a alma portuguesa
As vozes que o cante entoam
E as violas e concertinas que soam
Neste chão tão sagrado
De tradição e história povoado
Pelo Menino Deus abençoado”
Têm sido, a nossa alma, a nossa cultura e aquilo que somos
tratados condignamente?
Creio que a nossa alma e a nossa cultura são tratadas
condignamente e muito amadas, havendo cada vez mais pessoas a prezar o nosso
“vagar”, nesta correria e ambição humana desmedidas que põem o mundo em
convulsão. O cante alentejano foi elevado pela UNESCO a património imaterial da
humanidade, a nossa Paz, a nossa paisagem, a nossa gastronomia e o nosso
artesanato são muito apreciados por quem nos visita. No entanto, temos um
riquíssimo património histórico-cultural que pode ser mais valorizado e
disponibilizado aos residentes e aos visitantes, nomeadamente espaços
religiosos que não são apenas lugares de culto, mas riquíssimos repositórios
culturais. É neste aspeto que creio que seria importante uma boa coordenação
dos espaços museológicos e religiosos que se poderiam constituir como grandes
atrativos para o turismo.
“Alentejo … Porque o horizonte é infinito”. Este é o tema da
nossa revista.
Na sua opinião, é preciso alargar esse horizonte para que se
torne infinito?
Excelente tema, pois é tão amplo o horizonte do Alentejo, que
nele cabem os grandes sonhos de qualquer pequeno homem ou de qualquer pequena
mulher. Temos inúmeras potencialidades que permitem conjugar o moderno e o
tradicional. Haja vontade política para tornar este paraíso ainda mais apetecível
e com ofertas que permitam uma condigna qualidade de vida a quem o habita, a
quem o visite ou a quem queira aqui fixar a sua residência.