domingo, 15 de novembro de 2020

"Arte, Cidades, Alma - A Conexão como Alavanca"

“Onde nós nos ouvimos por dentro é casa também.” – As palavras de Pedro Abrunhosa que deram início à conferência Arte, Cidades, Alma – A Conexão como Alavanca.

Por ser urgente pensar as cidades, a arte, a alma, o património e as gentes, assim como perceber e debater a sua conexão e interligação, enquanto contributo para a alavancagem e construção do novo - entenda-se, futuro – sem deixar de questionar o modo como poderemos avançar, mudar paradigmas e corrigir lacunas sem que se coloque em causa a herança que nos foi sendo doada ao longo dos tempos, convidámos no passado dia 31 de Outubro, Pedro Abrunhosa, Bruno Ferreira e Paulo Barriga para uma tarde de reflexão conjunta no auditório do Centro Unesco, em Beja.

Desafiado a conceber um paralelismo entre versos de Mário Beirão e a presente realidade, Pedro Abrunhosa colocou-nos perante aquilo que, no seu entender, nos resta depois de tudo, o futuro e a luta permanente para que a existência encontre o seu sentido. “A Liberdade, o livre arbítrio, a construção do presente rumo ao futuro”, no sentido em que a estruturação de qualquer sociedade se iniciará sempre no presente, numa óptica de continuidade, resiliência e concepção de um tempo futuro, no qual o homem de hoje já não viverá.

Por esse motivo, afirmou Paulo Barriga, que uma cidade é composta por finas camadas históricas sobrepostas, “uma caixa de ressonância dos tempos passados”, onde a “impossibilidade material da cidade” converge no encontro do património edificado “com o acto cultural e a vivência”.  Desta forma, será “a ligação entre as pessoas, as políticas culturais, o passado de mil folhas sobrepostas (passado arquitectónico, urbanístico e arqueológico) quem transforma a cultura numa Obra”, a qual se designa cidade.

No entendimento de Bruno Ferreira, “o indivíduo, enquanto ser único, desenvolve-se num ambiente multicultural, com regras, padrões, crenças, o que transforma a cultura num processo de intercâmbio entre diversos indivíduos e comunidades, formando assim uma sociedade”. “A cidade é um jardim, cujas flores somos nós próprios, os cidadãos” e nessa perspetiva, será sempre necessária a existência de um “jardineiro dedicado” – referindo-se ao poder local - e artistas “que não sendo flores, são as abelhas que as polinizam, permitindo que sorriam”.

Num encadeamento de ideias, Pedro Abrunhosa propôs-nos reflectir sobre a visão de Platão de que nenhum homem se basta a si mesmo e sobre a possibilidade de “duas pessoas formarem uma cidade”. “Onde existem dois, existe uma relação de reciprocidade e a possibilidade de o acto de um interferir na liberdade do outro”- abordando com clareza a ideia Platónica da construção da cidade justa, uma Cidade-Estado que assumiria todos os valores morais, erguendo-se como a única forma de sociedade possível, segundo uma política que o filósofo definia como “arte que cura a alma e a torna o mais virtuosa possível”.

Pedro Abrunhosa desenvolve a temática: “Alma não é um conceito religioso. É um conceito orgânico. Fazem parte do homem o corpo e a alma que o habita”. “A cidade tem alma, porque é animada pelas pessoas, muito mais do que pela arquitectura. É a alma que caracteriza o local e o torna identitário. E a política é a arte do possível, a arte de gerir as vontades de toda a gente”. E sobre arte, “é tudo o que nos retira de um local, para nos levar para outro local diferente, que não tem que ser bonito. A arte não tem que ser bonita. Tem que nos transportar de um tempo para outro. É, talvez a par do conceito de Deus, a maior criação da humanidade”.

Já a “política é a gestão do dia a dia” e “aquilo a que hoje se assiste um pouco por toda a Europa é ao desaparecimento de cidades que outrora já se assumiram como grandes potências históricas, Beja é uma delas”. “As cidades perdem habitantes, massa crítica, artistas, perdem o público desses artistas, perdem quem ensina e quem aprende”, continuou Bruno Ferreira, frisando o quão importante é o papel dos cidadãos na manutenção das suas cidades e no grau de exigência para com os poderes executivos. “Seria interessante retornar ao Ágora, enquanto espaço livre de encontro e discussão” entre cultura e política, expressão máxima da esfera pública.

Concordando com a observação, Pedro Abrunhosa abordou o fenómeno das redes sociais que “fomentam o afastamento social e não a agregação social”, estabelecendo uma analogia com as palavras de Paulo Barriga, ao constatar que se assiste a uma (re)tribalização - um afastamento social premeditado, como se de tribos se tratasse, no maior retrocesso humano possível, em que os elementos de um mesmo grupo se reconhecem por características, ideias e ideais comuns, excluindo ou mantando os seus dissemelhantes. Segundo Pedro Abrunhosa, “as redes sociais só servem para gostar daquilo que já gostávamos, porque o algoritmo nos mostra aquilo que já conhecemos. A muralha à nossa volta revela-se ainda maior, porque deixamos de ter a percepção de que o outro existe. A incompreensão e a intolerância polarizam as pessoas, afastando-as cada vez mais”.

Já na recta final, e em opinião unânime, os elementos do painel defenderam que “é na cultura que os portugueses encontram razão para sustentar a sua autoestima”, tendo Pedro Abrunhosa definindo cultura como “tudo aquilo que necessita da mão do homem para existir. É o grande suporte do combate à ignorância”. E define-nos, tal como “o plástico define o século XX, porque isso também é cultura”.

Por seu lado, a arte acontece “quando pensamos em coisas que já não conseguimos colocar por palavras e nos silenciamos. Um silêncio de espanto perante uma Obra. Nenhuma língua traduz ou reproduz a emoção sentida, nem nunca será capaz de a explicar. Só explicam a arte, o silêncio e o espanto, sendo a arte o sítio para onde a linguagem escoa através do pensamento, do acto e da produção”.

 

Arte, Cidades, Alma – Aquilo que nos conecta.

Artigo de Rita Palma Nascimento



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