Podemos dizer que o Diogo
Nascimento é um apaixonado filho da terra e do território. engenheiro de
formação, tem profundo conhecimento da região do Baixo Alentejo, muito pela sua
longa ligação à Edia, mas também pela sua actividade de perito avaliador e
empresário.
Considera que, no Alentejo, o
horizonte é infinito?
Em primeiro lugar, deixe-me
agradecer o convite e felicitar a hall magazine, assim como a Hall Paxis pelo
trabalho que tem desenvolvido na nossa região nos últimos anos.
Sim, sou um filho da terra
preocupado e atento ao desenvolvimento da nossa região. Não me sinto um
empresário, porque um empresário arrisca e toma a liderança em muitos projetos,
e isso eu não tenho feito. Considero-me um técnico, com uma vasta experiência
na gestão pública, que tem tido o privilégio de trabalhar no principal projeto
de desenvolvimento territorial que a minha geração presenciou. O projeto de
Alqueva, no qual estou envolvido faz este ano 25 anos, tem sido uma experiência
profissional e um desafio que marcou a minha carreira. Quando regressei a Beja,
depois de estudar e de começar a trabalhar noutros locais, tive a oportunidade
de ingressar na EDIA, que tem sido uma empresa de referência e que muito tem
contribuído para o Alentejo, e mais concretamente, para Beja. Simultaneamente,
desenvolvo uma atividade de avaliador imobiliário, fruto da necessidade que
tive em aprofundar conhecimentos e alargar a minha atividade profissional ao
longo dos anos.
Igualmente, a minha preocupação,
tem levado a que me tenha envolvido, de forma voluntária, em várias áreas da
sociedade, trabalhando principalmente na área desportiva, onde exerço
atualmente funções de vice-presidente da Associação de Futebol de Beja e na
área social, com funções nos órgãos sociais de duas IPSS que trabalham
afincadamente na nossa cidade e no nosso distrito.
Respondendo à sua pergunta,
realmente o Alentejo é uma das regiões do país e da Europa com maior potencial
de desenvolvimento, com uma diversidade única, e que quando pensamos e sonhamos
podemos entrar naquilo que é o infinito de oportunidades e soluções que são
colocadas à nossa frente. Assim, sim, o Alentejo, dadas as suas
características, sociais, humanas, territoriais, paisagísticas, …. É infinito!
Na sua opinião, as lacunas
existentes relacionam-se, essencialmente, com que factores?
Lacunas existem sempre, mesmo nos
locais e economias mais desenvolvidas. Na minha opinião, o nosso principal
problema tem a ver com a questão demográfica.
Nos últimos 70 anos, na
generalidade, o Alentejo tem perdido população, à exceção de um ou outro
concelho que devido a um ou outro projeto concreto tem provocado o efeito
contrário, o que tem conduzido a falta de capacidade para resolver e conseguir
colmatar alguns problemas com que a região se tem debatido.
A falta de capacidade para a
fixação da população, associada à inexistência de políticas públicas eficazes,
abrangentes, mas que permitam a diferenciação, torna a região mais vulnerável
quando comparada a outras regiões do país.
Não percebo porque é que os
vários governos, e são vários nos últimos 40 anos, não assumem de forma
inequívoca e clara, que uma das principais missões que o país tem é conseguir
fixar a população no interior, apostando em programas com envelopes financeiros
com orçamentos significativos, para permitirem que as medidas sejam eficazes.
Ouvimos muitos discursos, e frases feitas, mas medidas concretas e
diferenciadoras, que permitam a fixação da população, de quadros técnicos
especializados e outros, e respetivas famílias, não vemos que tenham tido eficácia.
Beja é um exemplo disso. Com o
projeto de Alqueva, vemos a criação de novas empresas, de empresas sediadas
noutros locais, mas que os seus quadros não se fixam na região. Trabalham cá,
pernoitam em Beja durante a semana, mas não decidem vir para cá morar. Temos
que ser capazes de tornar o nosso território atrativo, para além de trabalhar, mas
para viver….. Se formos capazes de o fazer, então muitos dos problemas com que
nos deparamos serão resolvidos. Uns devido ao aumento populacional, outros
devido às dinâmicas de mercado que, entretanto, se vão criando.
São situações e questões que me
preocupam, na qualidade de bejense, que decidiu continuar em Beja, que é casado
e tem três filhos. Que futuro queremos para os nossos filhos e netos? É uma
questão que me coloco muitas vezes….
São as mentalidades determinantes
para a mudança de paradigma? Conseguimos trabalhá-las? De que forma?
Completamente. Ao nível
profissional, devemos olhar para a concorrência não como inimiga, mas como
parceira. No território em que somos muito poucos, teremos todos a ganhar se
trabalharmos de forma organizada, ganhando efeito de escala, e com isto potenciando
os setores mais competitivos e diferenciadores que temos.
Ao nível mais humano e individual
penso que há muito a fazer. Trabalhando ao nível dos diversos escalões etários,
e sem querer alterar a nossa identidade e personalidade, devemos encarar a
nossa nova realidade, resultante da globalização, como uma oportunidade.
Dou este exemplo. Se queremos, ou
achamos que devemos ter uma sociedade mais participativa e colaborativa, então
temos que ser capazes de induzir esta forma de estar nas nossas gerações mais
jovens. Ainda recentemente, vi uma notícia, que uma percentagem muito
significativa de jovens discute política…. É um ótimo sinal! Vejo que os jovens
estão mais abertos a discutir os problemas e a não ficarem indiferentes
relativamente ao que os rodeia. Mas se queremos que os mesmos se envolvam de
forma comprometida, temos que desde cedo, na escola, diferenciar esses mesmos
jovens que dedicam algum tempo a trabalho social, cultural, voluntariado, e
outras atividades em prol da sociedade. Esses jovens deveriam ver o seu aproveitamento
escolar majorado de alguma forma, quando comparados com outros que estão
indiferentes…. Se perguntar a um professor, se calhar vai-nos dizer que não
concorda nada, mas penso que é o caminho.
Igualmente, quem se dedica a uma
causa, integrando órgãos sociais de determinadas entidades e setores,
voluntariamente, também teria que ter algum benefício, como, por exemplo, o
aumento de anos para contagem da reforma…. Desta forma, talvez conseguíssemos
fazer com que as instituições que desempenham papeis fundamentais em muitas
áreas da nossa sociedade, substituindo-se ao papel do Estado, fossem mais
ativas e despertassem mais interesse às pessoas.
Assistimos, nos últimos anos,
a uma transformação profunda em termos paisagísticos e económicos, desencadeando
as inevitáveis alterações no tecido social.
Como caracteriza cada um
destes aspectos e que correcções sugere que possam ser feitas,
hierarquicamente, de cima para baixo, ou seja, do poder central, para o poder
regional e cidadãos?
O desenvolvimento económico
também traz questões e aspetos que necessitam de correções e acompanhamento.
Não podemos reivindicar que queremos uma região mais desenvolvida e esperar que
nada aconteça ao nível social e paisagístico, quando esse desenvolvimento passa
também pela alteração da paisagem.
Mas penso que não devemos olhar
apenas para a árvore, mas para a floresta no seu todo.
Ao nível da paisagem, se tivermos
planos de ordenamento que estejam adaptados, atualizados e que permitam a
adaptação do território de forma ágil e sustentada, tudo será mais fácil. Na
realidade não é assim que as coisas se têm desenvolvido, e depois somos
confrontados com algumas situações em que nada é respeitado. Por outro lado, o
Estado tem que ter capacidade de fiscalizar e sensibilizar os vários agentes, o
que, a meu ver, não tem sido feito de forma eficaz e regular. Se não tivermos
um Estado com capacidade reguladora e fiscalizadora, cairemos numa situação em
que as lacunas se tornam normais e rotineiras. O que não é nada bom.
A questão social, considero que é
o maior desafio que a nossa região atravessa, e muito particularmente, Beja.
Além do desafio da fixação da população, como referi atrás, os fluxos
migratórios que temos assistido nos últimos anos na nossa região obrigam a serem
criadas capacidades de resposta, tanto para situações urgentes, como para
situações que tenham como objetivo a integração total dos residentes
temporários que se estabelecem no nosso território.
Igualmente, teremos de ser
capazes de continuar a dar apoio às situações de desigualdade social que já
existiam e que continuam a existir, que vão desde o acompanhamento a pessoas
idosas que vivem sozinhas e isoladas, como a pessoas com problemas ao nível
psíquico e de saúde.
As responsabilidades são de todos
aos vários níveis. Ao nível central há a obrigatoriedade de criar programas de
apoio concretos que permitam dotar as instituições que estão no terreno de
meios humanos e materiais, por forma a exercer o seu trabalho da melhor forma e
o mais próximo possível das pessoas. Ao nível local, os municípios têm um papel
fundamental. Pelo conhecimento mais próximo que têm, e que poderão ter, das
várias situações, por forma a classificar o que é mais urgente e necessário,
como pela capacidade operacional que serão obrigados a implementar, agora, com
a descentralização de competências ao nível social.
Mas, na minha opinião, o grande
desafio que os municípios têm para os próximos anos, até final de 2026, será a
implementação a estratégia local de habitação (ELH). A ELH consiste num
envelope financeiro, no âmbito do PRR, que apoiará a construção de novas
habitações e a reabilitação de habitações existentes, com vista à melhoria do
parque habitacional existente.
Só disponibilizando habitação
condigna conseguiremos minimizar desequilíbrios sociais existentes, criando
critérios claros e rigorosos para a atribuição dessa habitação, exigindo o
respetivo retorno por parte da sociedade.
Aqui, há trabalho a fazer em
Beja, que, na minha opinião, ainda não conseguiu ter a dinâmica necessária para
cumprir o compromisso assumido, correndo o risco de chegarmos ao final de 2026
e perder-se esta oportunidade.
Cumpre, o território, a sua missão de
agregação de populações, de fusão, de complementaridade?
É uma pergunta difícil de
responder, e que a resposta seja apenas num sentido. Em muitos aspetos sim, mas
existem outros que infelizmente ainda não foi capaz de o fazer.
Se olharmos para o Alentejo, e
tendo presente as suas caraterísticas, dimensão, dispersão populacional,
distâncias entre povoações, e quando vemos cada vez mais dificuldade das
populações em dispor dos serviços públicos essenciais de proximidade, então o
território não cumpre a sua missão de agregação e de fusão.
A realidade e disparidade entre
cidades, vilas e aldeias é muito acentuada na nossa região.
Como queremos captar as novas
gerações, os novos profissionais, os nómadas digitais (que estão muito na
moda), se não temos para oferecer os serviços públicos básicos de proximidade.
Claro que é um custo, mas é um custo que o Estado tem que assumir e
interiorizar nos vários orçamentos, sejam eles mais à direita ou mais à
esquerda. Não se trata de ideologia política, mas de desenvolvimento do
território.
Espanha e França, apesar das
inúmeras diferenças e problemas que têm, têm conseguido minimizar esta questão,
onde vemos a existência de cidades de média dimensão e vilas mais apetrechas
que as nossas.
Mas ao mesmo tempo, temos bons
exemplos de agregação e fusão. Talvez o mais recente, na minha opinião,
prende-se com o cante alentejano. Sempre existiu e foi cantado em muitos
lugares, mas em poucos anos tornou-se uma marca transversal ao território, com
algumas nuances, e que conseguiu mostrar um território uno e a falar a uma só
voz.
Como vê a região no médio prazo?
A médio prazo, vejo que teremos
um Alentejo e, especialmente, um Baixo Alentejo diferente, com capacidade para
que algumas destas transformações se consolidem e contribuam para um território
melhor. Claro que o contributo de determinados projetos será fundamental, tais
como o alargamento do porto de Sines, as explorações mineiras, a consolidação e
evolução tecnológica do regadio de Alqueva, entre outros, para a fixação de
pessoas, especializadas e que tragam mais massa critica ao território. Mas será
fundamental, a meu ver, a conclusão de duas obras fundamentais: a A26, com
ligação à fronteira e não apenas a Beja e a eletrificação da linha férrea com
ligação a Lisboa, diminuindo o tempo de viagem. São as duas infraestruturas
decisivas para que dentro de 20 anos tenhamos uma região melhor! É o que
espero!
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