Falarmos de Paulo Ribeiro, é falarmos de alguém umbilicalmente
ligado à música e à elementaridade do Cante Alentejano.
Ao longo da sua carreira foram vários os projectos que
integrou, Anonimato, Eroscópio, Baile Popular, Tais Quais, mantendo sempre o
Cante como pano de fundo, sustentando e alimentando as raízes. Neste âmbito,
conhecemo-lo, também, enquanto ensaiador de grupos de Cantadores distintos – em
idade, género, génese e geografia - onde a inovação, a reinvenção e o respeito
pela origem são denominadores comuns. Características também elas presentes no Álbum
É Assim Uma Espécie de Cante, onde, em conjunto com o Grupo Coral e
Etnográfico Os Camponeses de Pias, se desafiou a interpretar temas de
músicos icónicos como Rui Veloso e Pedro Abrunhosa.
Pode dizer-se que há no Paulo inquietação e uma certa não
acomodação que o despertam para a criação e desenvolvimento de projectos fiéis
mas diferentes dos genuinamente tradicionais?
Essa inquietação existe e funciona de certo modo como um
motor que alimenta a criatividade. Os vários projectos vão surgindo
naturalmente. De qualquer forma eu procuro que todos eles façam sentido, isto
é, que tenham uma mensagem.. Acho que quando não tiver mais nada a acrescentar,
se calhar deixo de fazer música. A tradição interessa-me, até porque quando
transmito por exemplo o Cante às crianças, procuro ser um o mais fiél possivel
às modas tradicionais. Mas em algum momento também não deixo de lhes dizer que
um dia se estiverem a estudar clarinete ou outro instrumento qualquer, poderão
sempre reentrepetar uma qualquer melodia do nosso vasto cancioneiro com o
recurso à criatividade e liberdade de cada um. Nesse sentido a tradição também
me interessa como um legado que podemos de alguma forma reeventar, é por isso
que também vou compondo algumas modas. Julgo que é importante reeactualizar o
cante, sem perder de vista as suas raizes, o seu chão.
Depois gosto de trabalhar com as pessoas, gosto da ideia do
"colectivo". Um bom exemplo são os Tais Quais, onde personalidades e
diferentes gerações convergem e funcionam para um resultado que tem lá um
bocadinho de cada um de nós. Isso só é possível porque há um sentido colectivo
e uma cumplicidade que se foi construindo. É por isso que por vezes usamos a
expressão "Familia Tais Quais". Com "Os Camponeses de Pias"
é a mesma coisa. São uma família que me acolheu e que vai integrando ao longo
da sua maravihosa história gente que admiramos e que fica para sempre a fazer parte
dessa família.
Penso que sim, depende no entanto da forma como nos
posicionamos. Há exemplos com é o caso de José Afonso em que a sua vida se
confunde, no bom sentido, com a sua obra.. A Ideia de uma sociedade mais justa
e fraterna pela qual lutou, é bem visível na sua poesia e na música que
compunha. A música pode ter esse poder transformador e mesmo quando tem um
carácter mais lúdico acaba sempre por ter uma função. Sim em certa medida os
músicos e os artistas, não são apenas agentes culturais, são também actores que
podem intervir em processos sociais.
Jorge Palma, Vitorino, Tim, João Gil e mais recentemente
Pedro Abrunhosa têm sido, ao longo da sua vida, companheiros de estrada.
Quer falar-nos um pouco da importância que estas parcerias têm para si enquanto
músico radicado em Beja?
São ligações a artistas e pessoas que sempre admirei desde
miúdo e é uma honra pode desenvolver projectos musicais com todos eles. Tem
sido uma grande aprendizagem em termos musicais e artisticos mas existe também
aqui uma dimensão humana que se traduz num respeito mútuo e numa amizade que
vamos construindo. Sim, na minha adolescência jamais imginaria que um dia
estaria a pisar os palcos ao lado destas grandes figuras da música portuguesa.
Vivemos numa região com raízes culturais profundas, em vários
quadrantes, e que tem oferecido ao mundo, ao longo dos anos, artistas de renome
e relevo.
Sendo berço, o que é que nos falta?
Falta-nos estratégia, falta-nos visão para implementar as
necessárias medidas para valorizarmos o nosso património histórico e cultural.
Penso também que é um problema do nosso país. Basta ver que durante alguns anos
nem um Ministério da Cultura tinhamos e o Orçamento Geral do Estado nos dias de
hoje ainda não contempla sequer 1% para a cultura. Está tudo por fazer...no
entanto não falta gente com talento no nosso Alentejo nas mais diversas áreas
artísticas. Seria exaustivo nomear todos eles porque correria o risco de me
esquecer de algum.
Como interpreta, actualmente, o panorama cultural e qual a sua visão de
futuro?
Bem eu gostava que houvesse aqui na nossa região Teatros que
trabalhassem em rede. Que houvesse da parte dos Municípios uma maior
disponibilidade para em conjunto fazerem mais e melhor pela nossa Cultura.
Que os espectáculos e os artistas pudessem circular pelas
diversas salas e espaços disponíveis. Há
não muito tempo houve uma experiência interessante: o Festival BA que
apresentou mais de cem espectáculos só ao nivel dos municípios que integram a
CIMBAL. Esse Festival podia expandir-se para o alto Alentejo através de parcerias
com outros Municípios. Infelizmente nada disso aconteceu. Teve apenas uma
edição e perdeu-se mais uma oportunidade...Enfim, continuo ainda assim a ter
esperança, mas também é preciso que as comunidades e os cidadãos se empenhem de
outra forma, que não se resignem quanto ao futuro da nossa região.
Tendo por base a alma e forma de estar alentejanas, mas
também as características do nosso território, vasto, ilimitado e de céu aberto,
que comentários lhe sugere o tema da presente revista – “Alentejo …Porque o
Horizonte é Infinito”?
Esse título é muito poético e logo à partida suscita
curiosidade. Curiosidade em conhecer mais a fundo e sem pressas o nosso
Alentejo. Conhecer o território que é diverso e sobretudo conhecer as pessoas
que o habitam que são a alma do Alentejo.
Parabéns pelo tema que escolheram. À volta deste tema também
as conversas e as descobertas poderiam ser infinitas como o Horizonte a perder
de vista nas nossas vastas planícies...
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