terça-feira, 2 de maio de 2023

Alentejo ... porque o horizonte é infinito ... Entrevista Paulo Ribeiro

 

Falarmos de Paulo Ribeiro, é falarmos de alguém umbilicalmente ligado à música e à elementaridade do Cante Alentejano.

Ao longo da sua carreira foram vários os projectos que integrou, Anonimato, Eroscópio, Baile Popular, Tais Quais, mantendo sempre o Cante como pano de fundo, sustentando e alimentando as raízes. Neste âmbito, conhecemo-lo, também, enquanto ensaiador de grupos de Cantadores distintos – em idade, género, génese e geografia - onde a inovação, a reinvenção e o respeito pela origem são denominadores comuns. Características também elas presentes no Álbum É Assim Uma Espécie de Cante, onde, em conjunto com o Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias, se desafiou a interpretar temas de músicos icónicos como Rui Veloso e Pedro Abrunhosa.

 

Pode dizer-se que há no Paulo inquietação e uma certa não acomodação que o despertam para a criação e desenvolvimento de projectos fiéis mas diferentes dos genuinamente tradicionais?

Essa inquietação existe e funciona de certo modo como um motor que alimenta a criatividade. Os vários projectos vão surgindo naturalmente. De qualquer forma eu procuro que todos eles façam sentido, isto é, que tenham uma mensagem.. Acho que quando não tiver mais nada a acrescentar, se calhar deixo de fazer música. A tradição interessa-me, até porque quando transmito por exemplo o Cante às crianças, procuro ser um o mais fiél possivel às modas tradicionais. Mas em algum momento também não deixo de lhes dizer que um dia se estiverem a estudar clarinete ou outro instrumento qualquer, poderão sempre reentrepetar uma qualquer melodia do nosso vasto cancioneiro com o recurso à criatividade e liberdade de cada um. Nesse sentido a tradição também me interessa como um legado que podemos de alguma forma reeventar, é por isso que também vou compondo algumas modas. Julgo que é importante reeactualizar o cante, sem perder de vista as suas raizes, o seu chão.

Depois gosto de trabalhar com as pessoas, gosto da ideia do "colectivo". Um bom exemplo são os Tais Quais, onde personalidades e diferentes gerações convergem e funcionam para um resultado que tem lá um bocadinho de cada um de nós. Isso só é possível porque há um sentido colectivo e uma cumplicidade que se foi construindo. É por isso que por vezes usamos a expressão "Familia Tais Quais". Com "Os Camponeses de Pias" é a mesma coisa. São uma família que me acolheu e que vai integrando ao longo da sua maravihosa história gente que admiramos e que fica para sempre a fazer parte dessa família.

 

 Tem a música o poder e a missão de nos accionar enquanto agentes sociais?

Penso que sim, depende no entanto da forma como nos posicionamos. Há exemplos com é o caso de José Afonso em que a sua vida se confunde, no bom sentido, com a sua obra.. A Ideia de uma sociedade mais justa e fraterna pela qual lutou, é bem visível na sua poesia e na música que compunha. A música pode ter esse poder transformador e mesmo quando tem um carácter mais lúdico acaba sempre por ter uma função. Sim em certa medida os músicos e os artistas, não são apenas agentes culturais, são também actores que podem intervir em processos sociais.

 

Jorge Palma, Vitorino, Tim, João Gil e mais recentemente Pedro Abrunhosa têm sido, ao longo da sua vida, companheiros de estrada.
Quer falar-nos um pouco da importância que estas parcerias têm para si enquanto músico radicado em Beja?

São ligações a artistas e pessoas que sempre admirei desde miúdo e é uma honra pode desenvolver projectos musicais com todos eles. Tem sido uma grande aprendizagem em termos musicais e artisticos mas existe também aqui uma dimensão humana que se traduz num respeito mútuo e numa amizade que vamos construindo. Sim, na minha adolescência jamais imginaria que um dia estaria a pisar os palcos ao lado destas grandes figuras da música portuguesa.

 

Vivemos numa região com raízes culturais profundas, em vários quadrantes, e que tem oferecido ao mundo, ao longo dos anos, artistas de renome e relevo.
Sendo berço, o que é que nos falta?

Falta-nos estratégia, falta-nos visão para implementar as necessárias medidas para valorizarmos o nosso património histórico e cultural. Penso também que é um problema do nosso país. Basta ver que durante alguns anos nem um Ministério da Cultura tinhamos e o Orçamento Geral do Estado nos dias de hoje ainda não contempla sequer 1% para a cultura. Está tudo por fazer...no entanto não falta gente com talento no nosso Alentejo nas mais diversas áreas artísticas. Seria exaustivo nomear todos eles porque correria o risco de me esquecer de algum.


Como interpreta, actualmente, o panorama cultural e qual a sua visão de futuro?

Bem eu gostava que houvesse aqui na nossa região Teatros que trabalhassem em rede. Que houvesse da parte dos Municípios uma maior disponibilidade para em conjunto fazerem mais e melhor pela nossa Cultura.

Que os espectáculos e os artistas pudessem circular pelas diversas salas e  espaços disponíveis. Há não muito tempo houve uma experiência interessante: o Festival BA que apresentou mais de cem espectáculos só ao nivel dos municípios que integram a CIMBAL. Esse Festival podia expandir-se para o alto Alentejo através de parcerias com outros Municípios. Infelizmente nada disso aconteceu. Teve apenas uma edição e perdeu-se mais uma oportunidade...Enfim, continuo ainda assim a ter esperança, mas também é preciso que as comunidades e os cidadãos se empenhem de outra forma, que não se resignem quanto ao futuro da nossa região.

 

Tendo por base a alma e forma de estar alentejanas, mas também as características do nosso território, vasto, ilimitado e de céu aberto, que comentários lhe sugere o tema da presente revista – “Alentejo …Porque o Horizonte é Infinito”?

Esse título é muito poético e logo à partida suscita curiosidade. Curiosidade em conhecer mais a fundo e sem pressas o nosso Alentejo. Conhecer o território que é diverso e sobretudo conhecer as pessoas que o habitam que são a alma do Alentejo.

Parabéns pelo tema que escolheram. À volta deste tema também as conversas e as descobertas poderiam ser infinitas como o Horizonte a perder de vista nas nossas vastas planícies...



 

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