quarta-feira, 25 de novembro de 2020

#euconto ... com João Carlos Soares

 



João Carlos Soares, bejense, 41 anos – Um exemplo de reinvenção

 “Os nossos avós tiveram uma única profissão, aprenderam um ofício ao qual dedicaram toda a sua vida – sapateiros, costureiras, agricultores, vendedores… - os nossos pais, penso que a maioria, já passou por duas ou três actividades profissionais e nós, geração Y e Z, somamos diferentes experiências, díspares entre si, numa necessidade constante de reinvenção, realização e sobrevivência.”

 Deu os primeiros passos como empregado de balcão num bar de Beja (La Bodega) aos 17 anos, tendo passado pelo antigo KARAS -  “com essa idade já não era bem visto pedir-se dinheiro aos pais e a noite sempre empregou gente jovem. Tinha os fins de semana livres e podia trabalhar às sextas e sábados”.

Visionário, e aproveitando um importante nicho de mercado da altura, os estudantes universitários, aliou-se ao pai na abertura do Capa Negra – Centro de Cópias LDA.

“Beja tinha cerca de doze mil estudantes, há vinte anos atrás. Hoje em dia terá perto de três mil, se tanto. Estudava-se por sebentas e fotocópias, a internet estava a dar os primeiros passos e não existiam plataformas, portais, smartphones, ficheiros pdf, digitalizações ou pens usb. Era um mercado apetecível. Claro que com o passar dos anos e com o desenvolvimento tecnológico, foi perdendo importância. Nos dias que correm, poucos serão os estudantes que recorrem ao papel e à fotocópia. Deixou de fazer sentido. Vendemos o espaço na altura  certa e continuei a procurar o meu caminho.”

 Também ele estudante, embora colocando a actividade profissional à frente dos estudos, João Carlos Soares encerrava, aos 23 anos, o seu primeiro negócio, abrindo portas à oportunidade de experienciar a formação profissional.

“Ligaram-me um dia do Centro de Emprego com uma proposta para dar formações de inglês. Embora não tivesse concluído o curso, encontrava-me a frequentar Português- Inglês e… porque não? Na altura a formação era bem paga, cerca de 17€/hora (recibos verdes), actualmente é um mercado demasiado competitivo e, por esse motivo, menos bem pago. Foi uma experiência incrível, nada monótona. Todos os dias me deslocava para uma localidade diferente, nos arredores. Partilhava experiências e vivências com os meus colegas e formandos, mas também com as gentes das terras. Existia familiaridade e proximidade, um sentimento de pertença. Infelizmente vi-me forçado colocar um ponto final nesta actividade devido a um problema de saúde, que me levou a cancelar formações durante algum tempo.”

 João Carlos Soares, sentia, uma vez mais, a necessidade de se reinventar e concorreu a uma vaga para administrativo no Centro de Radiologia de Beja, onde se mantém desde então, já lá vão doze anos. Todavia, nunca abdicou dos seus hobbies de fim-de-semana e continuou a trabalhar em bares e discotecas.

“O avançar da idade foi-me retirando a disponibilidade anímica para o ambiente nocturno, mas não podia abdicar desse extra, então juntei-me ao Nuno Curro, na sua empresa Cocktail Mix Evetos e dei início à realização de eventos, desde os corporativos, aos cocktails e festas sociais, passando pelos baptizados e casamentos. Esta experiência permitiu-me uma maior abertura de portas, tendo surgido um convite irrecusável por parte do Clube Praia Verde, no Algarve – a realização de quarenta casamentos, após ter colaborado com eles em algumas festas de verão.”

 João Carlos Soares abraçava agora outros voos. Porém…

“Este ano (2020) seria o meu melhor ano, tinha cerca de sessenta eventos em agenda, fora aqueles que podem ir surgindo, entre casamentos, festas de verão e outros eventos privados. As empresas de eventos, ao contrário do que se pensa, trabalham doze meses por ano, seis meses a programar e seis a realizar. O trabalho de programação estava terminado, quando em Março fomos surpreendidos pela Covid-19. Toda a nossa programação foi cancelada e até à data zero eventos se realizaram. A quebra é de 100%.”

 E agora?

“Quando nos juntamos com amigos a beber uma imperial, podem surgir boas ou más ideias. Mas as boas deverão sempre ser tidas em conta, principalmente quando culminam na criação de um negócio.”

 O sol já descia no horizonte e o dever familiar marcava a hora.

“Temos que ir andando, fazer o jantar. É sempre uma chatice, os miúdos não gostam, a mulher está de dieta… o ideal seria ter embalagens diferentes no congelador e cada um escolhia aquilo que lhe apetecesse no momento. Os maridos jantam sempre (risos).”

Nascia assim o conceito da mais recente aventura do João, do Francisco e do Luís -  O Aqui Não Comes, uma casa de venda de comida tradicional e caseira ultracongelada, em doses individuais, cujo propósito consiste em facilitar a vida das famílias modernas.

“Inicialmente não fomos muito crentes na ideia. Ultra congelar açorda de gambas, favas com entrecostos, cabidela, cozido de grão (entre quarente e seis outros pratos) faria sentido em Beja? Ultrapassariam os bejenses o estigma da comida congelada? Entenderiam eles o conceito? Em Lisboa faria todo o sentido, em Beja era preciso arriscar. E arriscámos. Abrimos há quatro meses, temos uma ementa de cinquenta pratos e cada um cozinha os seus. Adquirimos um abatedor de temperatura, as arcas e arrendámos um espaço e a experiência tem sido surpreendente. Efectivamente ninguém chega a casa depois das nove da noite com disponibilidade para fazer um arroz de pato, da mesma forma que ninguém confeccionará um cozido de grão para uma só pessoa. E nós temos essa solução. Basta retirar a embalagem desejada do congelador e degustar.”

 Questionado sobre o porquê da aposta num negócio na área da restauração em plena crise económica, João Carlos responde com uma interrogação:

“Se já tinha trabalhado em bares, já tinha tido uma casa de fotocópias, já tinha dado formação, já trabalhava como administrativo e já realizava eventos diversos, porque é que não haveria de experimentar ser cozinheiro?”

Como planos para alavancar o recente negócio, falou-nos da assinatura de contrato para abertura de um espaço em Lisboa e da possibilidade de expansão para outras área geográficas. “Ao fim de dois meses de abrimos portas em Beja, fomos abordados por um empresário da cidade a residir em Lisboa, sobre a possibilidade de levar o negócio para a capital, onde se crê fazer todo o sentido. Desta forma iremos abrir no Campo Pequeno, já no início de 2021 pelas mãos da Margarida e da Rita. No horizonte estão, eventualmente, outras localidades como Setúbal e Faro. As máquinas de venda automática poderão vir a ser equacionadas em pontos estratégicos, como grandes empresas, por considerarmos que faz todo o sentido ter disponível e sempre à mão, uma selecção de pratos tradicionais e caseiros, prontos a satisfazer as horas de refeição. Para Beja os planos passam pela criação de postos de trabalho a curto prazo.”

Sobre o actual momento que o país, a Europa e o mundo atravessam, João Carlos Soares não esconde preocupação e a inquietação face às incongruências.

“Não podemos falar em justiça social quando há sectores mais penalizados do que outros. No sector da restauração, por exemplo, tal como no sector cultural, os apoios são insuficientes, ou inexistentes. Estamos a caminhar para um beco sem saída e hipotecar o futuro. Não só o futuro das empresas, como o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos. Quando tudo for nada, o que é que resta? Felizmente a comunidade bejense tem respondido de forma exemplar ao movimento de união a favor do comércio tradicional e da restauração. São eles que fazem funcionar, é a proximidade, a familiaridade, a envolvência e partilha. Têm sido um apoio fundamental e o nosso suporte. Contudo, também os nossos clientes atravessam tempos difíceis e ser-lhes-á impossível continuar a recorrer de forma sistemática aos nossos serviços. Creio que antes de pedirmos mais sacrifícios a quem já muito se sacrifica, se ponderasse a redução do pagamento de IVA por parte das empresas, se colocasse um ponto final na TSU e fossem repostos os horários da restauração e do comércio local. Nenhum de nós tem interesse em que o vizinho feche portas e esta tem que ser uma luta conjunta, de todos por todos. E neste sentido quero deixar a todos os empresários uma mensagem de força, de esperança e coragem.”




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