João Carlos Soares, bejense, 41 anos – Um exemplo de reinvenção
Visionário, e aproveitando um
importante nicho de mercado da altura, os estudantes universitários, aliou-se
ao pai na abertura do Capa Negra – Centro de Cópias LDA.
“Beja tinha cerca de doze mil estudantes, há vinte anos atrás. Hoje em
dia terá perto de três mil, se tanto. Estudava-se por sebentas e fotocópias, a
internet estava a dar os primeiros passos e não existiam plataformas, portais,
smartphones, ficheiros pdf, digitalizações ou pens usb. Era um mercado
apetecível. Claro que com o passar dos anos e com o desenvolvimento
tecnológico, foi perdendo importância. Nos dias que correm, poucos serão os
estudantes que recorrem ao papel e à fotocópia. Deixou de fazer sentido.
Vendemos o espaço na altura certa e
continuei a procurar o meu caminho.”
“Ligaram-me um dia do Centro de Emprego com uma proposta para dar
formações de inglês. Embora não tivesse concluído o curso, encontrava-me a
frequentar Português- Inglês e… porque não? Na altura a formação era bem paga,
cerca de 17€/hora (recibos verdes), actualmente é um mercado demasiado
competitivo e, por esse motivo, menos bem pago. Foi uma experiência incrível, nada
monótona. Todos os dias me deslocava para uma localidade diferente, nos
arredores. Partilhava experiências e vivências com os meus colegas e formandos,
mas também com as gentes das terras. Existia familiaridade e proximidade, um
sentimento de pertença. Infelizmente vi-me forçado colocar um ponto final nesta
actividade devido a um problema de saúde, que me levou a cancelar formações
durante algum tempo.”
“O avançar da idade foi-me retirando a disponibilidade anímica para o
ambiente nocturno, mas não podia abdicar desse extra, então juntei-me ao Nuno
Curro, na sua empresa Cocktail Mix Evetos e dei início à realização de eventos,
desde os corporativos, aos cocktails e festas sociais, passando pelos
baptizados e casamentos. Esta experiência permitiu-me uma maior abertura de
portas, tendo surgido um convite irrecusável por parte do Clube Praia Verde, no
Algarve – a realização de quarenta casamentos, após ter colaborado com eles em
algumas festas de verão.”
“Este ano (2020) seria o meu melhor ano, tinha cerca de sessenta
eventos em agenda, fora aqueles que podem ir surgindo, entre casamentos, festas
de verão e outros eventos privados. As empresas de eventos, ao contrário do que
se pensa, trabalham doze meses por ano, seis meses a programar e seis a
realizar. O trabalho de programação estava terminado, quando em Março fomos
surpreendidos pela Covid-19. Toda a nossa programação foi cancelada e até à
data zero eventos se realizaram. A quebra é de 100%.”
“Quando nos juntamos com amigos a beber uma imperial, podem surgir boas
ou más ideias. Mas as boas deverão sempre ser tidas em conta, principalmente
quando culminam na criação de um negócio.”
“Temos que ir andando, fazer o jantar. É sempre uma chatice, os miúdos
não gostam, a mulher está de dieta… o ideal seria ter embalagens diferentes no
congelador e cada um escolhia aquilo que lhe apetecesse no momento. Os maridos
jantam sempre (risos).”
Nascia assim o conceito da mais recente aventura do João, do Francisco e do Luís - O Aqui Não Comes, uma casa de venda de comida tradicional e caseira ultracongelada, em doses individuais, cujo propósito consiste em facilitar a vida das famílias modernas.
“Inicialmente não fomos muito crentes na ideia. Ultra congelar açorda
de gambas, favas com entrecostos, cabidela, cozido de grão (entre quarente e
seis outros pratos) faria sentido em Beja? Ultrapassariam os bejenses o estigma
da comida congelada? Entenderiam eles o conceito? Em Lisboa faria todo o
sentido, em Beja era preciso arriscar. E arriscámos. Abrimos há quatro meses,
temos uma ementa de cinquenta pratos e cada um cozinha os seus. Adquirimos um abatedor
de temperatura, as arcas e arrendámos um espaço e a experiência tem sido
surpreendente. Efectivamente ninguém chega a casa depois das nove da noite com
disponibilidade para fazer um arroz de pato, da mesma forma que ninguém
confeccionará um cozido de grão para uma só pessoa. E nós temos essa solução.
Basta retirar a embalagem desejada do congelador e degustar.”
“Se já tinha trabalhado em bares, já tinha tido uma casa de fotocópias,
já tinha dado formação, já trabalhava como administrativo e já realizava
eventos diversos, porque é que não haveria de experimentar ser cozinheiro?”
Como planos para alavancar o recente negócio, falou-nos da assinatura de contrato para abertura de um espaço em Lisboa e da possibilidade de expansão para outras área geográficas. “Ao fim de dois meses de abrimos portas em Beja, fomos abordados por um empresário da cidade a residir em Lisboa, sobre a possibilidade de levar o negócio para a capital, onde se crê fazer todo o sentido. Desta forma iremos abrir no Campo Pequeno, já no início de 2021 pelas mãos da Margarida e da Rita. No horizonte estão, eventualmente, outras localidades como Setúbal e Faro. As máquinas de venda automática poderão vir a ser equacionadas em pontos estratégicos, como grandes empresas, por considerarmos que faz todo o sentido ter disponível e sempre à mão, uma selecção de pratos tradicionais e caseiros, prontos a satisfazer as horas de refeição. Para Beja os planos passam pela criação de postos de trabalho a curto prazo.”
Sobre o actual momento que o
país, a Europa e o mundo atravessam, João Carlos Soares não esconde preocupação
e a inquietação face às incongruências.
“Não podemos falar em justiça social quando há sectores mais
penalizados do que outros. No sector da restauração, por exemplo, tal como no
sector cultural, os apoios são insuficientes, ou inexistentes. Estamos a
caminhar para um beco sem saída e hipotecar o futuro. Não só o futuro das
empresas, como o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos. Quando tudo for
nada, o que é que resta? Felizmente a comunidade bejense tem respondido de
forma exemplar ao movimento de união a favor do comércio tradicional e da
restauração. São eles que fazem funcionar, é a proximidade, a familiaridade, a
envolvência e partilha. Têm sido um apoio fundamental e o nosso suporte.
Contudo, também os nossos clientes atravessam tempos difíceis e ser-lhes-á
impossível continuar a recorrer de forma sistemática aos nossos serviços. Creio
que antes de pedirmos mais sacrifícios a quem já muito se sacrifica, se
ponderasse a redução do pagamento de IVA por parte das empresas, se colocasse
um ponto final na TSU e fossem repostos os horários da restauração e do
comércio local. Nenhum de nós tem interesse em que o vizinho feche portas e
esta tem que ser uma luta conjunta, de todos por todos. E neste sentido quero
deixar a todos os empresários uma mensagem de força, de esperança e coragem.”
Sem comentários:
Enviar um comentário