sexta-feira, 24 de março de 2023

Alentejo... porque o horizonte é infinito ... Entrevista Hugo Bentes

 

Serpense, a trabalhar na Divisão de Cultura e Património da Câmara Municipal da sua cidade, foi técnico de som nos estúdios da Musibéria, Integrou o Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, é um dos actuais membros do projecto Os Alentejanos e integra a direcção da Confraria do Cante Alentejano, sediada em Serpa. Enquanto cantador, integrou dois projectos de Celina da Piedade e o documentário Alentejo, Alentejo, um dos grandes impulsionadores da elevação do Cante Alentejano a Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Dá o salto para o cinema e, em 2019, é distinguido como melhor Actor Principal no filme Raiva, de Sérgio Tréfaut, pela Academia de Cinema Português, nos Prémios Sophia. Filme baseado no romance Seara de Vento de Manuel da Fonseca, de 1958, onde se retrata a pobreza, o abuso de poder e opressão, as injustiças sociais e a luta de classes. Em 2023 surge novamente nos ecrãs, em A Noiva, o novo filme de Tréfaut.

O que é que o mundo lhe tem trazido?

Dada a conjuntura global que vivemos nos dias de hoje, que poderei dizer?

O mundo, traz-me cada vez mais incertezas, o que podemos dar como garantido ou adquirido, hoje, amanhã poderá já não o ser. Gosto de viver um dia de cada vez, sem esperar nada em troca!

O mundo é ocupado por diversas coisas que nós já esperamos dele, guerra, diversidade, cultura, ofensas, poluição, etc. Às vezes, até falamos disso, temos que pensar no futuro que queremos para o mundo!

 

O Hugo foi o rosto do cartaz do documentário Alentejo, Alentejo, um dos grandes impulsores para que o cante alentejano fosse elevado a Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Após isso, e enquanto membro do projecto Os Alentejos conta com participações internacionais, como são exemplo a Expo Dubai ( foi com a Celina da Piedade e as vozes do cante) e, mais recentemente, Singapura . Como é que olha para esta fusão de mundos, culturas e patrimónios e de que forma sente que se olha para o Cante lá fora?

É sempre um privilégio, conhecer e contatar com outras culturas e formas de estar! Levar o cante alentejano aos quartos cantos do mundo é um orgulho.

Mesmo antes de ser património da humanidade, o cante alentejano já era ouvido além-fronteiras e sempre foi reconhecido como uma forma de expressão única e genuína, o reconhecimento pela Unesco, só lhe veio acrescentar ainda mais notoriedade.

O projeto “OS Alentejos” , é um dos projetos em que participo, tal como com a “Celina da Piedade e as vozes do Cante” projeto este, que foi convidado, para representar Portugal na Expo Dubai.

Em vários concertos lá fora, nomeadamente na Asia e reação das pessoas surpreende-nos sempre. Podem não perceber ou falar uma palavra em português, mas quando ouvem cantar alentejano, o silêncio apodera-se de quem está a ouvir, quase como se estivessem a perceber as letras, e em alguns momentos, vemos pessoas com lágrimas nos olhos.  Isso, só por si, demonstra que o cante alentejano, tem o poder e a capacidade de tocar outras cultura e formas de estar.


Recebeu, em 2019, a distinção de melhor Actor Principal no filme Raiva, pela Academia de Cinema Português, nos Prémios Sophia. Como é que se dá este salto para o cinema e quão enriquecedora tem sido esta vi(r)agem?

Nunca pensei ser ator, simplesmente aconteceu, aconteceu tudo naturalmente.

Foi no filme Raiva e graças ao Sérgio Tréfaut, que percebi, que afinal, tinha algum jeito para a interpretação. A partir daí os trabalhos foram surgindo naturalmente, novos desafios que abracei, que me enriqueceram como pessoa e como ser humano, o enorme privilégio que tenho em trabalhar com pessoas magnificas.

É gratificante, quando vemos o nosso trabalho reconhecido e valorizado, o rigor e profissionalismo, acompanha-me sempre na forma como encaro as coisas e como me entrego a elas.

Mais uma vez, um obrigado ao Sérgio Tréfaut, por ter acreditado em mim, e à Academia de Cinema Português, pela distinção com o prémio Sophia.


Raiva retrata uma luta se classes, nos anos 30, trazida à luz por Manuel da Fonseca nos anos 50. Tempos austeros, anteriores à existência de partidos políticos organizados, sindicatos e associações diversas, mas onde já era sentida a necessidade de movimentação e denúncia, em prol da dignidade e dos direitos. Traçando um paralelismo com os tempos actuais, onde posições extremistas e radicalistas ganham cada vez mais terreno, qual a importância da mensagem que o filme transmite?

Este Filme, RAIVA, é uma tragédia alentejana com origens históricas com uma mensagem de revolta, um retrato da injustiça social, que ainda é relevante nos dias de hoje.

Um ciclo que se repete, e continuará sempre a repetir-se, através de novas formas. Infelizmente, é bem capaz de ser uma mensagem que será sempre relevante enquanto a humanidade existir.


Conta, entretanto, com outras participações cinematográficas, a mais recente em A Noiva, também de Sérgio Tréfaut. Sabemos que esta foi uma participação desafiante, muito choque cultural presente no filme. Quer falar-nos um pouco sobre isso?

Sim, foi mais um grande desafio que aceitei!

Este filme foi rodado na integra no Curdistão Iraquiano, em plena pandemia.

O personagem que interpreto, é de um "Pai” de uma jovem luso-francesa que foge de casa para casar com um guerrilheiro do estado islâmico.

Quando li o argumento, ao início fiquei um pouco irrequieto com a história que tinha entre mãos, dei por mim a pensar, como poderia construir esse personagem, sendo eu pai, sem à partida fazer qualquer tipo de juízo de valor? Tentar perceber os motivos que levam jovens a tomar estas decisões, é no mínimo complicado, ou até mesmo impossível.

Este filme “A Noiva” e baseado em histórias verídicas, de jovens europeias, que fugiram de casa para se juntar a combatentes do autoproclamado Estado Islâmico. Retrata uma adolescente, que fugiu de casa para casar com um guerrilheiro do Daesh, e com isso torna-se uma noiva da Jihad. Ela vive num campo de prisioneiros no Iraque, é mãe de dois filhos e está grávida outra vez. Mas agora é uma viúva de 20 anos e será julgada pelos tribunais iraquianos.


Sente que, se por um lado, culturalmente nos afastamos de outros povos, é também pela via cultural que mais deles nos podemos aproximar?

Acredito, que o desenvolvimento não poderá ser sustentável sem uma forte componente cultural, nas suas diversas formas de manifestações.

Na realidade, só uma abordagem de desenvolvimento centrada no ser humano e baseada no respeito mútuo e no diálogo aberto entre culturas, poderá produzir resultados duradouros, inclusivos e equitativos.

A criatividade contribui para a construção de sociedades abertas, inclusivas e pluralistas. Sabermos respeitar as diferenças culturais é muito mais do que não fazer comentários ignorantes. No entanto e infelizmente, por parte de quem governa, a cultura tem estado ausente e esquecida.

A educação e o respeito, são a chave para entender a cultura de outra pessoa ou povo, e encontrar o caminho do diálogo inteligente, sobre as diferentes culturas que compõem este quebra-cabeça que é a população mundial.


E quanto ao desafio que encerra ser-se actor de cinema a residir em Beja? Sente, de alguma forma, condicionantes em termos profissionais?

Nunca me preocupou essa questão, para mim, uma coisa não invalida a outra, não me sinto condicionado, nem prejudicado de maneira alguma, muito pelo contrário. Prefiro viver aqui, gosto do Alentejo.

O amor que se sente pelo Alentejo é uma coisa que talvez nem toda a gente consiga perceber.


É um Homem da cultura, com mundo na bagagem, mas, sobretudo, um “alentejano de gema”, como olha, actualmente, para o panorama cultural da região?

Boa pergunta, difícil de responder!

Penso, que se pode melhorar mais, assim haja condições e vontade!


É, o Alentejo, horizonte infinito?

Sendo, o Alentejo a maior região do país, e representando um terço do território nacional, poderemos dizer, que o Alentejo é um “horizonte infinito”, e uma região com um potencial enorme para se desenvolver.

Mas infelizmente, o Alentejo, continua a ter problemas crónicos que perduram.

O envelhecimento demográfico, a perda de habitantes, são um dos grandes    problemas que o Alentejo enfrenta, e só com políticas de incentivo, de desenvolvimento, criando as condições certas, para fixar jovens e outras gerações na região, para podermos ter um Alentejo desenvolvido e próspero.



Foto: Ricardo Zambujo



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