quarta-feira, 8 de março de 2023

E Se Colocássemos Os Pontos Nos is?

 

A polémica gigante em torno da habitação e do imobiliário, remete-nos para um problema que vem de trás, cuja tentativa de solução atravessou vários governos e acabou por ficar  pelo caminho.

Só a título de exemplo, refiro um caso que se passou comigo.

Adquiri a minha primeira habitação em 1985, numa localidade periférica de Lisboa, onde estava a trabalhar,  pois os valores de venda na grande urbe nessa altura eram demasiado altos para ordenados médios.

Passados três anos, por força de mudança de local de trabalho, vendi esse mesmo apartamento pelo dobro do que me tinha custado, sem esforço, e decorrida a terceira visita. Ora, quer dizer que em 1988 o valor de venda dos imóveis tinha já aumentado significativamente, neste caso concreto, para o dobro.

O valor de venda do dito apartamento correspondeu ao valor de aquisição de um novo,  noutro centro urbano, no interior do Alentejo. Estavam assim equiparados a periferia de Lisboa e uma capital de distrito do interior – recordo, 1988.

Em poucos anos os valores foram sempre dobrando, chegando a triplicar para o mesmo apartamento num período temporal de 15 anos.

Políticas de expansão das cidades, fundos comunitários que permitiram infraestuturar solos,  PDMs mal definidos, baixas taxas de juro, fizeram o resto. Assistiu-se a um boom de construção, onde tudo se vendeu, deixando para trás os centros das cidades, abandonados, tristes e decrépitos. Foi a época do betão em escala.

O tecido social foi-se alterando, as famílias foram-se disseminando e sem recursos para manter e reabilitar imóveis nos centros das localidades, muitos dos quais de grande porte e afectos a processos de herança, o abandono começou a ser evidente, bem como a degradação que se foi instalando. Alguns foram sendo vendidos e reabilitados, outros permanecem a aguardar entendimentos entre os proprietários quanto ao destino.

Sendo Portugal um país de proprietários, raramente se equacionou o arrendamento desses imóveis e de outros que entretanto foram ficando livres, pois sempre existiu facilidade em vender e obter liquidez, o que contrastava com as dificuldades do mercado de arrendamento, pouco líquido e com encargos significativos para os senhorios.

A situação foi-se mantendo ao longo de anos, sem que tal questão constituísse uma grande preocupação para o Estado e para os Municípios, uma vez que os próprios imóveis do Estado, muitos também de grande porte e outros de menor, foram igualmente ficando abandonados e degradados, frequentemente por questões burocráticas.

Com a crise financeira de 2007-2008, que se arrastou por alguns anos, existiu uma recessão na construção nova, tendo sido o sector imobiliário alavancado, então, pela aquisição de muitos edifícios devolutos e sua reabilitação ou construção. Um encaixe financeiro importante para o Estado que viu assim crescer as receitas de IMT, IS e IMI, e em simultâneo, um lavar de cara das cidades. De entre os vários segmentos envolvidos, encarou-se o mercado de investimento como o braço direito do Estado, sem que houvesse grande preocupação relativamente ao destino desses imóveis. Entrou-se num período “de ouro”, sobretudo nos grandes centros urbanos e periferias de elite dos mesmos, onde a compra e venda se sucedia a um ritmo alucinante, fazendo escalar os preços, que não eram obrigatoriamente inflacionados pelos vistos gold, mas por um conjunto de grandes investidores vindos de todas as partes do mundo, na senda do rendimento. Se oportunismo houve em muitos negócios, que veio a apurar-se, mais não serviram do que “encapotamento” de situações duvidosas e menos credíveis, também é verdade que se foram fechando os olhos por tarde de quem de direito, a uma situação que era já uma evidência, até para os menos informados.

Em contraponto, todas as actividades satélites do imobiliário, engenheiros, arquitectos, decoradores, técnicos vários, fábricas, etc, viveram um retomar de caminho e de esperança, que tinha ficado lá para trás, dando até origem a novas empresas, e em conjunto todos contribuíram para a retoma da economia.

Se foram criados ALs sem controle, se houve empresas fantasma ao abrigo de vistos gold, se o turismo é excessivo nas grandes urbes e os preços dispararam vertiginosamente, então é porque o controle falhou, quer por parte dos Municípios, quer por parte do Governo Central, não tendo antevisto um problema paralelo de enorme dimensão, ou seja, os portugueses ficarem sem condições para comprar ou arrendar casa. Esta situação tem gerado um problema social complexo, nomeadamente no segmento mais jovem que se viu impossibilitado de ter vida própria, mantendo-se em casa dos pais, partilhando casa muitas vezes com desconhecidos, e adiando sine die decisões de vida importantes e consequentes responsabilidades.

Este é um retrato comum às grandes áreas metropolitanas. O resto do território português, à excepção do litoral algarvio, vive toda uma outra realidade. Debate-se com uma demografia decrescente e envelhecida,  com uma contenção de crescimento das localidades, mas também com a falta de investimento nos seus territórios, inversamente proporcional ao valor da habitação, também ele alto para as suas condições de vida. Existindo procura e não existindo oferta, é certo e sabido que os preços sobem, quer na venda, quer no arrendamento.

Quer agora o poder político levar a cabo uma espécie de mini-prec, para de uma assentada tentar colmatar um gravíssimo problema que vem de décadas? Os privados têm que ser aliados do público, sim, mas na iniciativa para o desenvolvimento e crescimento, trabalhando em conjunto, e não por intimação ou decreto do poder central. As medidas previstas vão dar muito que falar, e serão de difícil implementação, face a constrangimentos vários, nomeadamente legais. No mínimo, levaremos mais uns anos a discutir, a remendar, a cerzir, enquanto o problema prevalece. Trata-se sim de um tema conjuntural arrastado, onde não houve coragem para mexer, e que antes de mais tem que ser dissecado na base, com estudos e estratégia, e afecto a um plano integrado de desenvolvimento e crescimento social e económico, caso a caso, face a realidades díspares ao longo do país.

Obs: O texto não cumpre o acordo ortográfico




 


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