A Cidade Enquanto Peça de Relojoaria
Finalizamos com Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, o circulo
de artigos e opiniões no âmbito do WebIGAP promovido pelo IGAP, intitulado
“Cidade e Território na e pós Pandemia”, que contou como a presença da Hall
Paxis enquanto assistente no debate e reflexão.
“Se a cidade é feita de pessoas,
deverá ser igualmente feita para as pessoas, qual peça de relojoaria que se
quer mimada e tratada com a atenção devida, sob pena de se perder o miolo e a
alma de que é feita”. Para Rui Moreira, “assiste-se a uma matematização do
comportamento das sociedades”, o que considera ser “muito preocupante”,
especialmente no que concerne ao “impacto sociológico existente em todas as
vertentes [da sociedade], decorrente da pandemia e que irá” inevitavelmente “acentuar
as desigualdades, criando rupturas sociais”. Estreitando a linha, o presidente
da Câmara Municipal do Porto, aponta “o empreendedorismo e o pequeno comércio”
como os principais segmentos em causa, por serem aqueles “que menos recursos
têm para fazer face ao gigantesco desafio do digital” e às dificuldades daí
decorrentes, criando e acentuando hiatos nos critérios de competição e
sustentabilidade destas empresas, se comparadas a organizações e empresas de
maior dimensão e capacidade económica.
Para o autarca, “é necessário que
a peça de relojoaria”, a cidade, “possa continuar a contar com o turismo”,
enquanto sector de alavancagem económica, “mas com regras e equilíbrio”. Necessário
será, pois, “cimentar a interacção cultural e defender a gastronomia,
permitindo aos agentes económicos a possibilidade de concertação com um
objectivo comum: o desenvolvimento e sustentabilidade das várias actividades,
complementando-se entre si”, numa óptica de aliança, “entre o sector público e a
iniciativa privada, para que comunguem na elaboração e zelo pela cidade”.
Nesta equação entrarão também as
competências socias de munícipes e cidadãos, enquanto agentes de construção e
usufruto “das cidades e dos espaços públicos”. Para Rui Moreira, “a segurança
das cidades começa, precisamente, nos seus habitantes”, considerando que “a
desertificação, os nichos de povoamento ou gentrificação, despoletam
insegurança”. Para o actual presidente, “quantas mais pessoas existirem a
circular nos vários pontos de uma cidade, mais segura ela será”, garantido que
“serão essas mesmas pessoas quem irá zelar, respeitar e valorizar o Património
que é também seu”.
No reverso da medalha,
assistir-se-á, em cidades despovoadas e sem actividade, ao recolhimento dos
seus cidadãos, “que se tornarão cada vez mais inactivos, desinteressados” e
nãos complacentes com a interacção pública desejada, optando pelo “refúgio do
scroll nas redes sociais e consequente desinformação”, potenciando o “perigo, a
agressividade e o discurso de ódio assente no desconhecimento e inexistência de
interacção com os demais”. Em última instância, afirma Rui Moreira, os
habitantes destas cidades nada virão a ser para além de “pequenos casulos
escudados e limitados em si próprios”, o que condicionará o desenvolvimento
local e colocará em causa a existência de massa crítica tão necessária ao
avanço e progresso.
Como nota final, o autarca deixa
como recomendação de leitura Decameron,
de Boccaccio e 1984, de George
Orwell, “livros bastante pertinentes e actuais”.
Texto: Maria Helena Palma/Rita Palma Nascimento
Foto: Maria Helena Palma
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